Por Celso Vegro*
Disfuncionalidades da política econômica interna introduzem nas perspectivas dos agentes econômicos a busca por proteção. No Brasil, historicamente, a preferência recai pela moeda estadunidense na defesa patrimonial. Em 2020, o real já se desvalorizou em 40% (a mais significativa em âmbito mundial), tendo o mês de setembro contribuído para 5,04% de desvalorização adicional a esse abismo cambial no qual a economia brasileira se precipitou (Figura 1).
Os reflexos da catapulta cambial incidem sobre a população mais precarizada, pois a alta dos alimentos já é uma realidade na mesa dos brasileiros. Com desemprego recorde, renda deprimida daqueles que ainda possuem uma ocupação e corte no auxílio emergencial dos quase 30 milhões de “invisíveis”, a inflação dos preços de alimentos torna-se um elemento, potencialmente, gerador de instabilidade social no país.
A contrapartida da recente escalada do dólar consiste no ganho de competitividade (espúria) das matérias-primas agrícolas, não sendo o café uma exceção. Resultado observado pela balança comercial brasileira, com registro de superavit superior a US$36 bilhões entre janeiro e agosto de 2020, representando 12,8% superior a igual período do ano anterior2.
As cotações do café, ao longo de setembro de 2020, repentinamente passaram a declinar. Notícias de natureza claramente diversionista divulgaram falta de espaço de armazenamento para o café da safra brasileira 2020/21, criando uma falsa impressão de que o suprimento global do produto estaria garantido. Entretanto, esse problema foi localizado em dois cinturões (Cerrado e Mogiana). Ademais, pelo atual ritmo de embarques associado à expansão do consumo interno, com dois meses ou pouco mais, apareceram os primeiros vazios nos armazéns de café. De qualquer modo, para o mercado investidor, no mercado futuro de café arábica, a notícia de armazéns abarrotados foi suficiente para pressionar as cotações na Bolsa de Nova York.
Analisando as cotações na posição de março de 2021, houve queda de 15,77% entre a média da primeira e última semana do mês (Figura 2). Tal desabamento dos preços, todavia, não atingiu parcela expressiva dos cafeicultores que, em sua maioria, foram orientados em contratar hedge para entrega em 2021 quando as cotações estavam em alta.
Enquanto a média das cotações da primeira semana de setembro alcançava US$?131,91/lbp na posição futura de março de 2021, na média da quinta semana do mesmo mês ela baixou para US$?110,11/lbp, representando perda de US$?20,81/lbp no período (-15,77% aludido). Empregando o dólar médio do mês de R$5,42/US$, essa queda representa perda de aproximadamente R$150,00/sc.
Em Franca, principal cinturão cafeeiro paulista, segundo dados coletados pela Coordenadoria de Desenvolvimento Rural Sustentável (CDRS) e consolidadas no Instituto de Economia Agrícola (IEA), os preços recebidos pelos cafeicultores oscilou dos R$620,00/sc. registrados em 02/09/2020, para R$581,15/sc.3 em 30/09/2020, ou seja, queda de 6,68% no mês. A média dos preços recebidos em setembro foi de R$582,79/sc. que, após efetuadas as devidas conversões, equivale a US$?142,23/lbp. Descontando 20% de taxas e diferencial frente ao contrato C, alcançam-se US$?113,78/lbp. Tal montante, aparentemente, é insuficiente para que os cafeicultores busquem proteção para os preços na bolsa internacional frente aos preços atualmente recebidos.
Na Bolsa de Londres em que são negociados os contratos de café robusta, as cotações seguiram alinhadas com aquilo que se observou no arábica com preços mais elevados na primeira semana e consecutivas quedas até a última (Figura 3).
A relativa estabilidade nas exportações vietnamitas no ano4 e o aumento dos embarques de conilon brasileiro de 12,9% no ano5 contribuíram para que prevalecesse a pressão baixista sobre as cotações do produto. Ademais, as expectativas de farto suprimento de arábica não favorecem alavancagem para as cotações do robusta.
Espelhando a diminuição das cotações ao longo do mês, os fundos de grandes investidores reduziram sua exposição em títulos de café, mas ainda prevalecendo a posição liquida comprada, deixando em suspenso a possibilidade de que ocorra reversão no interesse pelo produto com pressão compradora pressionando as cotações (Tabela 1).
O surgimento do fenômeno de La Niña sobre o Pacífico Equatorial provoca menores precipitações acompanhadas de maiores temperaturas sobre o Centro-Sul do Brasil, justamente nos principais cinturões de arábica do país. O comportamento climático trará perdas para a corrente safra (baixo pegamento de frutos e chocamento) e para a próxima (menor tamanho de peneira dos grãos). Esse fenômeno não foi precificado em setembro, mas os balanços de oferta e de demanda, já sob revisão o cálculo de deficit da produção mundial, deverão superar o volume de expansão dos estoques previsto para a atual safra, ou seja, há uma propensão para que as cotações passem a evoluir positivamente.
Em algumas regiões, a intensidade da estiagem obrigará a realização de podas tardias, incrementando a área que deixará de oferecer produção no próximo ano. Nos cinturões de arábica, o ano safra será caracterizado mais pelo esforço de recuperação de lavouras do que pela busca de alto rendimento da produção. Criar expectativas de safra alta em ano de ciclo de baixa é posicionamento pouco plausível.
*Celso Luis Rodrigues Vegro é Engenheiro Agrônomo MS, Pesquisador Científico VI Instituto de Economia Agrícola. Contato através do e-mail: celvegro@iea.sp.gov.br
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1O autor agradece o trabalho de sistematização do banco de dados econômicos conduzido por Paulo Sérgio Caldeira Franco, Agente de Apoio à Pesquisa Científica e Tecnológica do IEA.
2OLIVEIRA, M. D. M.; ANGELO, J. A.; GHOBRIL, C. N. Balança Comercial dos Agronegócios Paulista e Brasileiro, Janeiro a Agosto de 2020. Análises e Indicadores do Agronegócio, São Paulo, v. 15, n. 9, set. 2020. Disponível em: https://www.iea.sp.gov.br/ftpiea/AIA/AIA-77-2020.pdf. Acesso em: 7 set. 2020.
4INSTITUTO DE ECONOMIA AGRÍCOLA. Preços médios diários recebidos pelos produtores. São Paulo: IEA, 2020. Disponível em: https://ciagri.iea.sp.gov.br/precosdiarios/precosdiariosrecebidos.aspx?cod_sis=6. Acesso em: 7 set. 2020.
4NGUYEN, P. Exportação de café do Vietnã cai 1,4% de janeiro a setembro; arroz também recua. Centro do Comércio de Café do Estado de Minas Gerais, Varginha, 2 set. 2020. Disponível em: http:
//cccmg.com.br/exportacao-de-cafe-do-vietna-cai-14-de-janeiro-a-setembro-arroz-tambem-recua/. Acesso em: 7 set. 2020.
5CONSELHO DOS EXPORTADORES DE CAFÉ DO BRASIL – CECAFÉ. Relatório Mensal setembro de 2020. São Paulo: CECAFÈ, 2020. Disponível em: https://www.cecafe.com.br/publicacoes/relatorio-de-exportacoes/. Acesso em: 7 set. 2020.