Por Silas Brasileiro*
Há tempos, muita desinformação relacionada ao Fundo de Defesa da Economia Cafeeira (Funcafé) vem sendo veiculada, com certa insistência da parte de quem detém esse tipo de interesse escuso.
A esse respeito, na condição de presidente do Conselho Nacional do Café (CNC), é relevante vir a público para externar que, sim, o Funcafé é um grande benefício ao produtor e às cooperativas cafeeiras do Brasil.
Através do Fundo, é possível apoiar o ordenamento da oferta, estimular a liquidez do mercado (compra do café produzido) e promover o desenvolvimento tecnológico, através de pesquisas e tecnologias para o aumento de produtividade e qualidade.
Somente em relação ao ordenamento da oferta, por exemplo, afirmo que, sem o Funcafé, o aviltamento da renda – consequência da característica cíclica da produção cafeeira – seria muito pior neste ano, haja vista que os recursos ofertados pelo Fundo foram suficientes para evitar o ingresso imediato de quase 11 milhões de sacas no mercado.
Pondero, contudo, que, embora imprescindível para o desenvolvimento da cadeia produtiva do café, o Funcafé não pode ser responsabilizado pelos problemas que não apenas a cafeicultura possui, mas que muitos outros setores do agro também enfrentam.
Aos produtores, o Funcafé somente será uma fonte de benefícios diretos se houver gestão eficiente da propriedade rural, inclusive dos riscos de mercado, e cultura de cooperativismo/associativismo. Afinal, um produtor isolado não consegue acessar a todos os recursos tecnológicos, administrativos, financeiros e logísticos, que são imprescindíveis para avançar em um mercado competitivo.
Diante do supracitado e das constantes impropriedades proferidas, apresento uma “linha do tempo” do Funcafé e um “passo a passo” sobre sua operacionalidade, a qual evidencia que o Fundo precisa ser gerenciado com responsabilidade para não se exaurir e deixar de fomentar a cafeicultura brasileira, principalmente o elo com mais riscos no segmento, que são os produtores.
Desmistificando o Funcafé: entenda seus benefícios
Quando foi criado?
Em 1986, como parte do ajuste da política cafeeira frente ao processo de democratização e reforma administrativa do Estado Brasileiro. Nesse período, aconteceram três ações:
(i) O Governo começou a reduzir o tamanho do Instituto Brasileiro do Café (IBC);
(ii) Foi criado o Conselho Nacional de Política Cafeeira para garantir a participação do setor privado nos rumos da política;
(iii) O imposto sobre a exportação do café, que se destinava à receita geral do Estado, foi substituído pela cota de contribuição sobre as exportações do produto, criando o Funcafé.
O Funcafé ainda é alimentado?
Não. Em 2004, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou inconstitucional a cota de contribuição sobre as exportações de café. E é exatamente por isso que os recursos têm que ser administrados com responsabilidade, eficiência e racionalidade para evitar que o Fundo deixe de existir.
Para que serve o Funcafé?
Desenvolver a cadeia produtiva do café no Brasil através de financiamentos e incentivos à modernização da cafeicultura (mais produtividade e qualidade); apoio à indústria e à exportação, para aumento de consumo e conquista de mercados, garantindo compradores para os cafés produzidos nas propriedades rurais; promoção do ordenamento da oferta (financiamento de Estocagem para evitar que os cafeicultores e suas cooperativas tenham que vender café nos períodos em que os preços estão mais aviltados).
Qual o volume de recursos do Funcafé?
Para a safra 2019, aproximadamente R$ 6 bilhões.
O Funcafé tem cumprido sua função?
Sim! Os dados mostram o desenvolvimento contínuo da cadeia café no passado recente:
Como são definidas as distribuições dos orçamentos anuais?
De forma transparente e seguindo os passos previstos na legislação:
1. A Lei Orçamentária Anual (LOA), aprovada pelos deputados e senadores federais, aponta os recursos disponíveis para o Fundo a cada ano. Para 2020, estão previstos R$ 5,89 bilhões. A LOA também aponta os recursos que serão direcionados para o Consórcio Pesquisa Café, levantamentos de safra da Conab e promoção do consumo. Infelizmente, em 2013, foi criada uma reserva de contingência do Funcafé, da ordem de R$ 30 milhões, que tem dificultado os investimentos em pesquisa e promoção do consumo. O CNC articula apresentação de emenda por parlamentares para desbloquear esses recursos.
2. Somente após a aprovação da LOA por deputados e senadores o Conselho Deliberativo da Política do Café (CDPC) se reúne para aprovar e distribuir o orçamento anual nas seguintes linhas de financiamento: Custeio, Comercialização, Aquisição de Café (FAC) e Capital de Giro. O CDPC, presidido pela ministra da Agricultura, garante parceria público-privada na gestão dos recursos, princípio vigente desde a criação do Funcafé, em 1986. Nos últimos anos, houve disponibilização de orçamentos recordes para o financiamento da cadeia produtiva do café, garantindo aplicação direcionada às necessidades que variam a cada safra, de acordo com os cenários climáticos e mercadológicos.
Como são escolhidos os agentes financeiros e liberados os recursos?
Após a aprovação e a distribuição do orçamento anual em linhas de financiamento, é necessário aguardar a oficialização pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) e a discussão no âmbito do Governo Federal das taxas juros do crédito rural, que são definidas todos os anos nos Planos Agrícolas e Pecuários. Finalizada esta etapa, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) define, com base em critérios técnicos, os agentes financeiros que operarão os recursos do Funcafé e o volume a ser destinado a cada um. Entre esses critérios, estão:
(i) Quantidade de beneficiários atendidos referente ao contrato do ano anterior – Peso 2;
(ii) Eficiência na aplicação de recursos (percentual de recursos aplicados em relação aos recursos disponibilizados pelo Funcafé) – Peso 2.
Por fim, procede-se à etapa de assinatura dos contratos com os agentes financeiros. Todos os contratos são assinados pela ministra da Agricultura. O processo total é transparente e envolve publicações no Diário Oficial da União (DOU) e no site do Mapa. O CNC monitora cuidadosamente essas publicações e disponibiliza o acesso à informação dos recursos liberados para os agentes financeiros a cada safra em seu site. Para acessar, clique aqui.
Também cabe acrescentar que o processo de liberação dos recursos do Funcafé está sujeito à criteriosa fiscalização da Controladoria Geral da União (CGU) e do Tribunal de Contas da União (TCU).
Após a assinatura dos contratos, os recursos são liberados conforme a demanda dos agentes financeiros, isto é, procura dos cafeicultores, cooperativas, indústrias e exportadores nas agências.
De quem é o risco da operação dos recursos do Funcafé?
Do agente financeiro, conforme definido pelo Manual de Crédito Rural (MCR). Por isso, os agentes financeiros realizam avaliação de risco criteriosa do tomador do crédito antes de emprestar os recursos. Caso haja inadimplência, o agente financeiro retorna os recursos emprestados ao Funcafé (para evitar a exaustão do Fundo) e assume o prejuízo.
O Funcafé beneficia o cafeicultor?
Sim, apoiando o ordenamento da oferta, estimulando a liquidez do mercado (compra do café produzido) e promovendo desenvolvimento tecnológico (pesquisas e tecnologias para aumento de produtividade e qualidade). Quanto ao ordenamento da oferta, é importante ressaltar que, sem o Funcafé, o aviltamento da renda (consequência da característica cíclica da produção cafeeira) seria muito pior neste ano – os recursos ofertados pelo Funcafé foram suficientes para evitar a oferta imediata de quase 11 milhões de sacas de café no mercado.
O Funcafé é responsável pela solução de todos os problemas da cafeicultura?
Embora seja imprescindível para o desenvolvimento da cadeia café, o Funcafé não pode ser responsabilizado pelos problemas que não apenas a cafeicultura tem, mas muitos dos setores do agro enfrentam. Para os produtores, o Funcafé somente será uma fonte de benefícios diretos se houver também gestão eficiente da propriedade rural, inclusive dos riscos de mercado, e cultura de cooperativismo/associativismo. Afinal, um produtor isolado não consegue acessar todos os recursos tecnológicos, administrativos, financeiros e logísticos imprescindíveis para avançar em um mercado competitivo.
*Silas Brasileiro é presidente executivo do Conselho Nacional do Café (CNC).