Prof. José Donizeti Alves*
No início da segunda quinzena de maio, a temperatura nas lavouras de café caíram drasticamente, sem, no entanto, chegar ao ponto de formar geada significativa. Em alguns lugares isolados verificamos uma leve geada que, apesar de não ter queimado muitas folhas, provocou uma significativa queima de frutos verdes, principalmente no baixeiro das plantas. Um atraso na maturação dos frutos, também foi um dos efeitos residuais do frio, bem como o encurtamento da janela de cereja com o aumento de frutos secos na planta. Em textos publicados recentemente, eu explico as causas dessas duas anormalidades fisiológicas:
Como se não bastasse esses danos nos frutos que vão prejudicar a qualidade da atual safra e causar um prejuízo extra e inesperado para o cafeicultor, este frio foi seguido de aumentos nas temperaturas que, somados à continuidade da seca, promoveram a desfolha das plantas. Como o lançamento de novas folhas neste período de outono/inverno está paralisado, esta área foliar perdida não vai ser recuperada a tempo de favorecer os processos de pré e pós-florada, que exigem uma adequada reserva de energia para se viabilizarem. Em vista da desfolha generalizada das lavouras, associada a incapacidade do cafeeiro de lançar novas folhas e do tempo muito exíguo para estas folhas se tornarem fotossinteticamente ativas, é muito provável que tenhamos problemas no vingamento da florada e no pegamento de frutos. Essas anormalidades fisiológicas em resposta à tríade frio, calor e seca, podem frustrar a expectativa de uma grande safra para 2023.
As plantas necessitam de processos metabólicos ativos para seu crescimento e reprodução. Para tanto, elas se valem de reações bioquímicas que, tanto sintetizam moléculas orgânicas, como as que as degradam, para liberar energia. Como exemplos de processos fisiológicos de síntese e degradação, temos a fotossíntese e a respiração, respectivamente. A manutenção da vida depende de um complexo equilíbrio de síntese e degradação e sempre que um exceder o outro, ocorre uma série de problemas fisiológicos que invariavelmente afetam a produção.
Como a degradação de carboidratos pela respiração é o principal processo de geração de energia na célula, a garantia da continuidade do crescimento e desenvolvimento das plantas fica comprometida, sempre que algum fator externo acelerar esse processo. Dos fatores externos, a temperatura é o que exerce maior efeito sobre a respiração. Para cada 100 C de aumento na temperatura, a respiração costuma aumentar de duas a três vezes. Esse aumento na taxa respiratória, esgota as reservas das plantas que serão fundamentais nas próximas etapas da produção, a pré e pós-florada. Uma simples conferência da oscilação da temperatura nos últimos dias, mostra que a amplitude térmica superou os 100 C. Há pouco tempo, as temperaturas estavam na faixa de 3 a 60 C hoje, elas se encontram na casa de 26 a 280 C ou até mais.
Rápidos aumentos nas taxas respiratória podem provocar alguns danos ao cafeeiro:
(i) Aumento na síntese de etileno: aceleração da colheita e desfolha
Em frutos que dependem do clima, como é o caso do cafeeiro, dias antes do início da maturação, ocorre um aumento na produção de etileno que coincide ou não com um abrupto aumento respiratório e na sequência, a maturação.
Quando o pico de etileno não é muito alto ele “dispara” a maturação “normal” dos frutos de café que após a granação, a cor verde do fruto passa para o verde-cana, evoluindo para o vermelho ou amarelo, conforme a cultivar e, lentamente, vão ocorrendo transformações bioquímicas com o aparecimento de produtos químicos peculiares da maturação completa.
Por outro lado, os aumentos nas temperaturas após o período de frio, aumentou a amplitude térmica e, sempre que isso ocorre, há um súbito aumento na produção de etileno que acelera a maturação dos cerejas levando-os a evoluírem rapidamente para o estádio passa. Todas essas inesperadas transformações na maturação, obrigou o cafeicultor a antecipar sua programação de colheita do café.
Paralelamente a esses efeitos nos frutos, a grande amplitude térmicas observada, levou a uma intensa desfolha nas plantas. De maneira geral, uma desfolha dessa magnitude tem como causa, o aumento da concentração de etileno na região do pecíolo criando ali, uma zona de abscisão que, ao menor efeito físico com vento, por exemplo, derruba as folhas.
(ii) Aumento no processo de senescência dos frutos: aumento da quantidade de frutos secos na planta
Esse fato foi comprovado em várias lavouras onde os frutos verde/verde-cana viraram diretamente para seco. Esse fenômeno mostra que as intempéries climáticas promovem um rápido envelhecimento fisiológico dos frutos. Normalmente os tecidos dos frutos verdes tem mais sensibilidade ao etileno que os frutos cerejas. E nessa fase, quando ocorre um estresse ambiental, o pico de etileno ultrapassa a concentração limite e o acúmulo desse hormônio aumenta as taxas respiratórias, responsáveis pela senescência precoce dos frutos. Daí eles passam direto do verde para seco.
Como a taxa respiratória de um produto está diretamente relacionada a sua vida útil, redução da respiração durante o amadurecimento dos frutos, como observado em cafés cultivados nas montanhas, altitudes elevadas e sombreados, garante a manutenção da qualidade do café. Essa é uma das grandes vantagens de se plantar café em altitudes elevadas.
(iii) Esgotamento de reservas na planta: problemas na pré e pós florada
Fotossíntese faz carboidratos e respiração utiliza esses carboidratos para liberar energia, fundamental para manter os processos metabólicos da planta. Sempre que faltar carboidratos, seja pela incapacidade de síntese ou seja pela sua utilização excessiva, os processos vegetativo e frutificação são prejudicados. Por exemplo, agora no outono/inverno, a produção fotossintética de carboidratos pelos cafeeiros está prejudicada pelas baixas temperaturas. Por outro lado, a seca e as amplitudes térmicas que ultrapassaram a 100 nesse período, aumentam a respiração em níveis elevados a ponto de esgotar as reservas da planta. Ou seja, a bomba atômica se formou quando se “juntou a fome (baixa fotossíntese) com a vontade de comer (alta respiração)”. O primeiro efeito dessa mistura explosiva foi a queda de folhas. O segundo, virá mais tarde quando, por falta de reservas e de energia, a florada e os frutos, terão um baixo nível de vingamento e pegamento, respectivamente. Resultado disso é que a próxima safra, dependendo da magnitude dessas anomalias fisiológicas vai ser bem menor que a esperada.
(iv) Estresse oxidativo: diminuição da tolerância do cafeeiro a estresses biótico e abiótico
Como mostrado acima frio, calor e seca inibem a fotossíntese e estimulam a respiração. Além de todo as consequências já discutidas, essas anomalias climáticas e fisiológicas induzem a planta a produzir, descontroladamente, Espécies Reativas de Oxigênio (EROs). Recentemente publiquei um texto com mais informações sobre esse estresse.
As EROs por serem compostos que reagem facilmente com outras moléculas, podem levar à oxidação de componentes celulares importantes como membranas celulares, lipídeos e até mesmo do próprio material genético da célula, predispondo as plantas a uma menor tolerância a estresses bióticos e abióticos.
A capacidade das plantas em tolerar estresses ambientais envolve, além dos mecanismos de defesa antioxidante, o acúmulo de solutos orgânicos de baixo peso molecular. Mas, para que isso aconteça, as partes fisiológica e nutricional do cafeeiro tem que estar em equilíbrio. No caso presente, a fotossíntese e a respiração estão em desequilíbrio e as plantas depauperadas, ficam sem condições de absorver e incorporar os nutrientes nos compostos orgânicos. E como uma reação em cascata, as EROs tendem a aumentar e prejudicar ainda mais a o crescimento e produção de café.
*Prof. José Donizeti Alves - FisioCafé Consultoria e Palestras Ltda - fisiocafeconsult@gmail.com