Por Daniel Pereira Guimarães e Elena Charlotte Landau, pesquisadores da Embrapa Milho e Sorgo
O Brasil é o maior produtor e exportador mundial de café e o segundo maior consumidor dessa bebida. As exportações de café em 2020 geraram uma receita de 5,6 bilhões de dólares, cerca de 30 bilhões de reais no câmbio atual. Minas Gerais é o principal produtor nacional, já que as condições climáticas favorecem o cultivo do café arábica (Coffea arábica), que produz a bebida de melhor qualidade e valor econômico. Enquanto o café canéfora (robusta e conilon) apresenta ótima adaptação às condições de temperaturas mais elevadas, e é cultivado no Espírito Santo, em Rondônia e no Sul da Bahia, o café arábica requer condições mais amenas, e as maiores áreas de cultivo e qualidade da bebida estão nas regiões do Cerrado Mineiro, Sul de Minas e Mogiana (em São Paulo), em altitudes entre 850 e 1.200 metros. Nessas condições, os riscos de geadas são maiores, embora nos últimos anos esse fenômeno tenha se tornado cada vez mais raro. A forte geada de 1975 praticamente dizimou a cafeicultura paranaense e contribuiu para a migração das áreas de cultivo para as regiões atuais.
As características de bienalidade, com alternâncias entre altas e baixas na produtividade, e os impactos da estiagem contribuíram para uma queda na safra atual em cerca de 30% com relação à safra do ano passado. De acordo com as estatísticas da Conab, a produção da safra brasileira de café foi de 63,1 milhões de sacas em 2020, e há uma expectativa de colheita de 48,8 milhões de sacas neste ano. As expectativas de altas produtividades na safra de 2022 estão sendo frustradas pela baixa disponibilidade hídrica dos solos e pelo impacto das geadas nas principais regiões produtoras.
AS GEADAS
O mês de julho foi marcado pela entrada de fortes massas de ar de origem polar no País, com a ocorrência de neve nos estados da região Sul e a formação de geadas atingindo também as regiões Sudeste e Centro-Oeste, inclusive no Mato Grosso. Em Minas Gerais, as menores temperaturas foram registradas nos dias 20 e 30 de julho, quando 12 estações meteorológicas do Inmet registraram números menores que 4 °C, sendo seis delas com temperaturas negativas, todas instaladas em regiões produtoras de café.
Figura 1. Temperaturas mínimas registradas nos dias 20 e 30 de julho de 2021 e áreas de cultivo de café em Minas Gerais. Fonte de dados: Geoportal do Café - Emater-MG e estações automáticas do INMET.
Além do café, cultura de maior expressão econômica, as geadas tiveram grandes impactos também na fruticultura, floricultura, em pastagens e vegetação nativa, principalmente nas matas ciliares. Os levantamentos das áreas impactadas estão sendo feitos por inspeções visuais, principalmente naquelas áreas cobertas por seguro rural. No entanto, a severidade dos danos depende da intensidade das geadas, que podem provocar desde danos referentes à queima das folhas até a morte das plantas. O uso de sensoriamento remoto tem importância fundamental para o mapeamento e monitoramento dos impactos das geadas, podendo ser empregadas imagens de alta resolução (feitas por drones ou satélites comerciais) ou imagens de menor resolução espacial disponibilizadas gratuitamente, como os da série Landsat e Sentinel e as imagens dos satélites nacionais Cbers e Amazônia 1.
O SATÉLITE AMAZÔNIA 1
A disponibilidade de acesso a imagens gratuitas de sensores remotos facilita o monitoramento da cobertura e do uso da terra a baixo custo. O satélite Landsat tem imagens com resolução espacial de 30 metros (15 na banda pancromática) e faz o imageamento a cada 16 dias. O Sentinel 2, da Agência Espacial Europeia, tem resolução espacial de 10 metros e período de retorno de cinco dias. O satélite brasileiro CBERS 4A tem resolução de 55 metros e passagem a cada cinco dias, além da Câmera Multiespectral e Pancromática de Ampla Varredura (WPM), que permite a geração de imagens com resolução espacial de 2 metros, mas o período de retorno na área é de 31 dias.
O Amazônia 1 é o primeiro satélite totalmente nacional e foi lançado no dia 28 de fevereiro de 2021, sendo que as primeiras imagens começaram a ser distribuídas aos usuários a partir do mês de março. Embora a resolução espacial de 64 metros seja inferior à dos demais, cada imagem cobre uma área de 870 quilômetros de largura, com período de retorno a cada cinco dias. Além de contar com as três bandas do espectro visível, o Amazônia 1 tem ainda a banda do infravermelho próximo, que permite a geração de índices espectrais.
Figura 2. Imagem do Satélite Amazônia 1 sobre a região de Furnas-MG em 14/08/2021. Fonte das imagens: https://www2.dgi.inpe.br/catalogo/explore
O MAPEAMENTO DOS CAFEZAIS ATINGIDOS PELAS GEADAS
O governo de Minas criou o Geoportal do Café, e a integração de instituições estaduais (Seapa, Emater, Epamig) e federais (Embrapa, Conab) permitiu efetuar o georreferenciamento das áreas de cultivo do café no estado, possibilitando que cada lavoura pudesse ser monitorada por sensoriamento remoto.
Plantas cujas folhas foram submetidas a estresses hídricos ou térmicos apresentam menores teores de pigmentações pela clorofila e podem ser diferenciadas em imagens multiespectrais. As bandas NIR (infravermelho próximo) e vermelho foram usadas para a determinação do Índice de Pigmento por Razão Simples (PSSR), utilizado na avaliação das respostas espectrais das lavouras antes e depois da ocorrência das geadas. Quanto maior a redução do índice espectral, maior o impacto da geada sobre a lavoura.
Figura 3. Áreas de cultivo de café antes e após a ocorrência das geadas nas proximidades de Córrego do Ouro, município de Campos Gerais-MG. Fonte de imagens: Sentinel 2 – Copernicus – ESA.
O mapeamento incluiu 263 municípios, envolvendo uma área cultivada de café de 830 mil hectares, sendo 110 mil sob sistemas de irrigação. A combinação entre as áreas cultivadas de café e o Cadastro Ambiental Rural (CAR) permitiu identificar a quantidade de proprietários e as respectivas áreas afetadas.
Tabela 1. Áreas afetadas pela estiagem em relação ao tamanho da lavoura.
Verifica-se que mais de 70% dos produtores afetados pelas geadas possuem propriedades com áreas de plantio inferiores a 10 ha, totalizando 7.884 cafeicultores (5.876 + 2.008), que correspondem a apenas 21,4% da área total. Por outro lado, 449 produtores detêm 34,4% da área impactada pela geada. Esses resultados demonstram as dificuldades do atendimento de assistência técnica e do acesso ao seguro rural, e mostram também as funcionalidades do sensoriamento para efetuar esses diagnósticos. Uma área de 40.333 hectares corresponde aos proprietários que ainda não aderiram ao Cadastro Ambiental Rural. Os resultados indicaram também que as áreas de café irrigado impactadas pelas geadas foram de 12.720 hectares.
Tabela 2. Principais municípios produtores de café em Minas Gerais e percentuais das áreas atingidas pelas geadas em julho de 2021.
De acordo com a metodologia adotada, os cafezais do município de Campestre foram os mais impactados pelas geadas. A maioria das plantações encontra-se em altitudes em torno de 1.100 metros. As geadas atingiram 17% dos cafezais do município de Patrocínio, principal produtor de café do estado.
As ferramentas de sensoriamento permitem avaliar as áreas impactadas pelas geadas e o comportamento das lavouras em relação à próxima safra, tendo em vista a capacidade fotossintética das plantas afetadas pelo frio e as condições hídricas dos solos. Servem ainda para direcionar as áreas a serem monitoradas em relação à próxima florada e a produção de grãos na safra de 2022. A geolocalização das áreas de cultivo e o Cadastro Ambiental Rural são fundamentais para o monitoramento do setor rural com as ferramentas da Agricultura 4.0. O satélite Amazônia 1 apresenta-se como importante ferramenta para o monitoramento de uso e ocupação do solo no Brasil.
As informações são da Embrapa Milho e Sorgo