Por Prof. José Donizeti Alves
Dois meses após a geada, os cafeicultores já estavam “conformados” com os estragos provocados pelo frio intenso, como a queima de folhas, ramos e caule, e o aparecimento de inúmeras brotações laterais ao longo dos ramos plagiotrópicos, no lugar de botões florais. Certos de que “não há mal que nunca acabe”, eles imaginaram que os danos provocados pela geada já haviam terminado e, agora, estavam focados nos cuidados para amenizar os prejuízos causados pela seca que perdura há mais de 18 meses e as recentes chuvas de granizo. Mal sabiam eles que a geada ainda reservava mais um dano tardio.
Régis Ricco, consultor da RR Consultoria, relatou o que está acontecendo em um grupo do WhatsApp do qual faço parte. “Enquanto algumas lavouras estavam com plantas queimadas do terço médio para baixo (Foto 1), outras apresentavam cafeeiros queimados apenas no terço médio, enquanto os terços superior e inferior da planta permaneciam verdes” (Foto 2). Fez o teste do canivete e constatou que “o tecido estava seco e necrosado” (Foto 3). Observou, também, que nesta época de pré-florada, “o terço superior, que até então estava verde, começou a morrer depois que as folhas murcharam, amarelaram e caíram” (Foto 4). O mesmo fenômeno “ocorreu no terço inferior” que também estava verde.
Ao final, concluiu assertivamente que essas lavouras iriam “perder todas as plantas”, ainda que, até dias antes, “partes da planta, que aos olhos do cafeicultor aparentemente iriam produzir, por terem se conservado verde, infelizmente estavam morrendo”. Ao final concluiu que “algumas lavouras precisam ser observadas atentamente e o produtor deve se preparar para as sequelas” e isso me instigou a explicar, passo a passo, mais essa anomalia causada pela geada, a luz da anatomia e fisiologia vegetal.
A partir do momento que ramos e caule do cafeeiro começam a engrossar, formam-se dois tipos de tecidos de condução: xilema secundário e floema secundário. O xilema, localizado na porção mais interna do caule, é responsável pelo transporte ascendente de água e minerais absorvidos pelas raízes, também conhecido como seiva bruta. Já o floema, localizado na porção externa do caule, responde pelo transporte (ascendente, descendente e lateral) dos fotoassimilados ou seiva elaborada, produzida nas folhas pela fotossíntese e que são translocadas para todas as partes da planta.
Quando um técnico raspa um ramo ou caule de café para verificar se há queima dos tecidos abaixo da casca, na verdade ele está expondo o floema, que no caso demonstrado na foto 3, estava completamente seco e necrosado. O fato do terço superior continuar vivo, mesmo depois de dois meses após a geada, conforme destacado na foto 2, sugere que o xilema, pela sua localização mais interna, não foi danificado pela geada e, enquanto houve reservas e raízes vivas, o ponteiro estava sendo hidratado, daí as folhas verdes.
O problema é que a geada queimou o floema e interrompeu fisicamente o fluxo de carboidratos para as raízes. Para complicar mais ainda, porções do floema que não foram queimadas certamente tiveram os vasos do floema obstruídos pelo acúmulo de carboidratos e proteínas, denominado de calose-P. É oportuno destacar que qualquer lesão nas folhas, seja ela causada pelo frio, geada, seca, calor, insetos, doenças, desfolha ou mesmo danos físicos, estimula a formação de calose cessando o fluxo de carboidratos às raízes e elas, conforme vão exaurindo suas reservas, paulatinamente definham até morrer. Com a morte das raízes, cessou obviamente a subida de água e nutrientes para a parte aérea, o que provocou murcha, amarelecimento e queda de folhas, conforme mostrado na foto 4. Este dano tardio logicamente frustrou o produtor que, até então, pensava que os danos da geada tinham se estancado e possivelmente, estava contando com o pouco que iria colher naquelas partes verdes do cafeeiro.
Por fim, outro aspecto que gostaria de destacar é a importância das folhas do terço médio, que são as mais fisiologicamente ativas da cafeeiro. Elas, além de produzirem energia para o seu próprio consumo, exportam o excedente para os terços inferior e superior da planta que no caso desse último, comportam folhas com eficiência reduzida. Do ponto de vista microclimático, a região do ponteiro está exposta a um ambiente com fortes pressões ambientais, uma vez que nessa parte a insolação é muito alta, as temperaturas são as mais elevadas e os ventos são constantes. Além disso, a maioria das folhas é jovem, o que por si as tornam drenos de carboidratos. Esses fatos somados diminuem a eficiência fisiológica do ponteiro exigindo, na maioria das vezes, uma porção extra de carboidratos vindos do terço médio. Como no caso, todas as folhas do terço médio foram queimadas pela geada conforme pode ser visto nas fotos 1 e 2, há que se faltar energia e carbonos para a pré e pós-florada nas partes que estavam verdes e que ainda abrigam botões florais. O resultado esperado não é outro que uma baixa taxa de vingamento das flores e pegamento dos frutos. Convém não se iludir.