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Café e biodiversidade

ESPAÇO ABERTO

EM 18/06/2021

6 MIN DE LEITURA

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Por Luiz Paulo Pinto e Cláudia M. Rocha Costa, do Café com Cacau Ltda.

A influência do uso e ocupação da terra das culturas agrícolas nas paisagens naturais no Brasil ainda é forte e merecem um novo olhar pelas tendências de mercado e pelo que representam na pauta do agronegócio e na cultura do brasileiro. O Brasil, por exemplo, é o maior produtor e exportador mundial de café, representando 1/3 da produção mundial. Se foi um fator determinante do desmatamento da Mata Atlântica em meados do século XIX, agora o setor pode estar caminhando para um novo cenário, principalmente devido ao crescimento dos cafés especiais.

Nas últimas duas décadas tem chamado a atenção a valorização do consumidor pela qualidade dos cafés produzidos. Os grãos utilizados nos chamados “Cafés Especiais” são produzidos sob procedência controlada e altos padrões de qualidade no seu processamento, formando uma cadeia de produção sob padrões rígidos de sustentabilidade e responsabilidade socioambiental e ajudando a proteger áreas sensíveis do Cerrado e da Mata Atlântica. Praticamente todas as áreas produtoras de cafés especiais no Brasil estão na Mata Atlântica ou em ecótonos/enclaves como o Maciço do Baturité, trecho de Mata Atlântica na Caatinga cearense, e na transição entre o Cerrado e a Mata Atlântica como na Chapada Diamantina, região central do estado da Bahia.

A conexão entre a produção cafeeira e os remanescentes de vegetação nativa já é reconhecida pela literatura científica. Os serviços ecossistêmicos de remanescentes de vegetação nativa para os cafezais, revelados em vários estudos científicos, incluem a manutenção de um microclima favorável, manutenção de recursos hídricos, presença de polinizadores, de populações de predadores naturais de pragas que afetam as lavouras a exemplo da mariposa conhecida como o bicho-mineiro do cafeeiro (Leucoptera coffeella), entre outros fatores que contribuem para o aumento da produtividade das plantações. O bicho-mineiro pode acarretar perdas entre 30-70% da produção, comprometendo a qualidade e a produção dos grãos e causando impacto negativo na cadeia produtiva do café. Dezenas de espécies de vespas são inimigos naturais do bicho-mineiro e possuem comunidades nos remanescentes de vegetação nativa que geralmente rodeam as plantações de café.

Portanto, a quantidade e qualidade desses remanescentes são muito importantes para a produção de serviços ecossistêmicos e seu manejo e proteção são essenciais para a produção cafeeira sustentável. Esses são fatores cruciais para enfrentar o enorme desafio das mudanças climáticas nas próximas décadas, conforme artigo do Gabriel Moreira e Juliana Sorati da Daterrra na edição no 70 da Revista Espresso.

A produção de cafés especiais está associada as áreas prioritárias para conservação da biodiversidade. Essas áreas são identificadas e revisadas periodicamente por dezenas de especialistas e cientistas de todos os biomas brasileiros para fins de definição de políticas púbicas de proteção ambiental. A Mata Atlântica, por exemplo, possui áreas prioritárias para conservação da biodiversidade com grande riqueza biológica sobrepostas com regiões de produção de cafés especiais como a Serra da Mantiqueira e a Serra do Caparaó. Um exemplo é a ocorrência de populações do muriqui-do-norte (Brachyteles hypoxanthus), maior primata das Américas, endêmico da Mata Atlântica e criticamente ameaçado de extinção, em áreas de produção de excelentes cafés especiais como na região serrana do Espírito Santo e nas “Matas de Minas” (Mata Atlântica do leste do estado de Minas Gerais).

A produção de café, em algumas situações, está também intimamente conectada com verdadeiras joias do patrimônio biológico brasileiro, que são as unidades de conservação ou áreas protegidas (parques, reservas biológicas, monumentos naturais etc.), principal instrumento para a conservação da biodiversidade em todo o mundo. Os cafés especiais da região da Serra do Caparaó, por exemplo, são produzidos na zona de amortecimento (entorno) do Parque Nacional do Caparaó, onde está localizado o Pico da Bandeira, o terceiro ponto mais alto do país). Os cafés produzidos nessa região sempre estão presentes entre os 10 cafés do ano, premiação do Coffee of the Year celebrado na Semana Internacional do Café. A Serra do Caparaó foi reconhecida recentemente pelo Instituto Nacional da Propriedade Nacional (INPI) com o selo de Indicação de Origem, na modalidade “Denominação de Origem”. Os cafés produzidos nessa região sempre estão presentes entre os 10 cafés do ano, premiação do Coffee of the Year celebrado na Semana Internacional do Café.

O Parque Estadual da Pedra Azul, região serrana do Espírito Santo, Parque Estadual da Serra do Papagaio, na Serra da Mantiqueira no sul de Minas Gerais, e o Parque Nacional da Chapada Diamantina, que protege parte da Serra do Espinhaço, região com elevadíssima riqueza da flora rara e endêmica do Cerrado, são unidades de conservação que possuem excelentes cafés especiais sendo produzidos no seu entorno.

Sob outra perspectiva, cultura cafeeira e unidades de conservação formam mosaicos de uso da terra encantadores. Para os amantes de caminhadas para contemplação, lazer e recreação e realização de esportes, existem as Trilhas de Longo Curso. Uma delas é a Trilha Transmantiqueira, que percorre a Serra da Mantiqueira no sentido oeste-leste, com um percurso de 1.200 km de extensão cruzando 47 municípios nos estados de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, e promove a integração de 36 unidades de conservação.

A Trilha Transmantiqueira será conectada a outras Trilhas de Longo Curso pelo chamado “Vale do Café”, o Vale do Paraíba do Sul, área tradicional de produção cafeeira. Com um alto potencial de engajamento voluntário e uma grande capacidade de gerar renda através do agroturismo, turismo sustentável e de base comunitária, além do apelo popular de caminhadas na natureza em todo o mundo, as Trilhas de Longo Curso podem incrementar a oferta turística nacional e internacional. Trilhas de Longo Curso causam um sentimento de pertencimento muito forte e, quando estiver em estágio avançado de implementação, representa uma força de mobilização social muito bonita e potente como acontece nos Estados Unidos, Canadá e em toda a Europa.

O Cerrado mineiro foi a primeira área cafeeira a ter o reconhecimento do selo de Indicação de Origem, na modalidade “Denominação de Origem” no ano de 2013, o que mostra a importância dessa região para a produção de cafés especiais no país. Uma iniciativa muito importante nessa região é o Consórcio Cerrado das Águas, em Patrocínio, Minas Gerais. O projeto, apoiado pelo Fundo de Parceria para Ecossistemas Críticos (CEPF, na sigla em inglês) e pelo Instituto Internacional de Educação do Brasil (IEB), tem como objetivo influenciar a criação de políticas públicas que promovam a conservação e restauração dos ecossistemas na bacia do Córrego Feio, melhorando a sustentabilidade da cadeia de abastecimento do café na região.

O Fundo de Parceria para Ecossistemas Críticos (The Critical Ecosystem Partnership Fund – CEPF) foi criado para a proteção dos chamados hotspots globais de biodiversidade* como o Cerrado e a Mata Atlântica. É uma iniciativa conjunta da Agência Francesa de Desenvolvimento, da Conservação Internacional, da União Europeia, do Fundo para o Meio Ambiente Global (GEF), do Governo do Japão, e do Banco Mundial. O projeto em Patrocínio tem a parceria da Expocaccer - Cooperativa dos Cafeicultores do Cerrado, Cooxupé, Lavazza, Nescafé e Nespresso.

Esse consórcio oferece apoio especializado em metodologias sustentáveis para os produtores locais, como o manejo adequado para controlar o fogo, a recuperação da vegetação nativa e dos solos degradados, e práticas agrícolas climaticamente inteligentes, entre outras atividades de proteção ambiental da paisagem e das propriedades agrícolas. A saúde e o uso sustentável das bacias hidrográficas da região, além de ser o indicador mais importante dos resultados das intervenções é prioridade no contexto atual de escassez hídrica.

A área de café plantada no país ocupa cerca de 1,8 milhão de hectares. O Brasil possui mais de 300 mil produtores de cafés. A Fazenda Recanto, no município de Machado, sul de Minas Gerais, é um exemplo interessante. Com o certificado internacional da Rainforest Alliance, cerca de 38% da propriedade está coberta por vegetação nativa conservada. Proteção da biodiversidade e produção do Café Recanto caminham lado a lado. É importante destacar ainda que 83% dos brasileiros consomem café diariamente, o que demonstra a forte relação nacional com esssa bebida extraordinária. A produção dos cafés especiais tem tudo para se tornar um novo vetor de desenvolvimento sustentável e provocar profundas mudanças no campo, além de servir de referência para outras culturas agrícolas no país.

*Hotspots são as regiões biologicamente mais ricas e ameaçadas do planeta, que necessitam com urgência de uma escala mais ambiciosa de ação e planejamento para sua conservação.

Contato: luizpaulopinto10@gmail.com

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JOÃO SOBRAL DE ASSIS

PARATI - RIO DE JANEIRO - ESTUDANTE

EM 21/06/2021

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