Por Enrique Alves*
Sim, a cafeicultura na Amazônia tem evoluído muito ao longo dos últimos anos. Uma espécie de revolução ou reinvenção que vem modificando a percepção de toda a cadeia sobre o que faz os Robustas Amazônicos tão especiais. Algumas explicações são óbvias, outras se escondem nas sutilezas do cotidiano.
Sejamos então óbvios, evoluímos nosso índice de produtividade média quase extrativista de 8 para 38 sacas por hectare e já existem muitos produtores com médias superiores a 100 sacas. Os cafeicultores estão também a cada dia mais preocupados com a sustentabilidade de suas lavouras e de como entregarão suas terras para as próximas gerações de cafeicultores que estão se formando. A qualidade, essa vem se tornando, a cada ano que passa, mais agradável e diversificada. Um verdadeiro sopro de vigor e novidade para um país que se autodenomina a "nação do café".
Definitivamente, "the dog days" da cafeicultura na Amazônia "are over". E, escrevo isso com a alegria de quem canta uma canção.
A cadeia produtiva em Rondônia, responsável por cerca de 97% de todo o café produzido na Amazônia, quebra paradigmas a cada degrau de sua virtuosa jornada evolutiva. Tem provado que café e preservação ambiental podem e devem andar juntos. Tanto que a região Matas de Rondônia se prepara para receber o que será o primeiro selo de Indicação Geográfica (IG) para cafés canéforas sustentáveis do mundo. Além disso, novos processamentos de pós-colheita têm mudado para melhor o perfil sensorial dos Robustas Amazônicos Finos. Os microlotes Amazônicos são naturais, despolpados e com fermentações diversas. Sim! Nossas bebidas têm acidez, doçura e até notas raras como florais. Neutros!? Apenas se o cliente quiser.
Hoje foi um dia festivo para a cafeicultura no Norte do País. Conquistamos o título inédito de melhor café canéfora fermentado do Brasil no Coffee of The Year 2020. Se cafés especiais são aqueles que te levam às nuvens, os Robustas Finos tem levam à Amazônia. E de primeira classe!
Ediana Capich, do município de Novo Horizonte D'Oeste, foi a responsável por essa proeza comemorada como final da Copa do Mundo. Mas, foi ao ver os agradecimentos da grande campeã nas redes sociais que percebi onde mora o segredo dessa revolução. Ela agradeceu a engenheira agrônoma Poliana Perruti pelas dicas, consultorias e amizade. A mesma Poliana que foi a primeira mulher a vencer o concurso de qualidade do Estado de Rondônia - Concafé, em 2019. Por "coincidência", na edição de 2020 do concurso, o primeiro e segundo lugares também eram mulheres. Detalhe, a grande campeã do Concafé também era assistida pela Poliana.
Ainda sobre o COY 2020, os destaques de Rondônia entre os melhores eram quatro mulheres e um jovem cafeicultor indígena com nome de guerreiro, Tawa Aruá.
Sinal dos tempos? Não! Sinal de novos tempos. A cafeicultura na Amazônia é feminina. E talvez faça sentido, pois, a qualidade é um substantivo feminino.
Isso me fez lembrar minha mãe me dizendo que as mulheres são sempre à frente do seu tempo. Ela adorava me contar a história da sua avó, que com o marido possuía uma bela propriedade rural nas Matas de Minas Gerais, daquelas que recebiam visitas de padres e políticos da época. Ela contava que sua avó tinha um talhão próprio separado dos demais, conceito de "terroir". Nesse talhão ela esperava o momento ideal e colhia os frutos à medida que amadureciam, coleta seletiva. Depois, ela secava os frutos à sombra como se fossem sementes. PARA TUDO! Isso já é o auge da sutileza em secagem lenta. Agora, a melhor parte: ela armazenava cuidadosamente estes grãos em uma grande caixa de madeira e vendia seu "microlote" para consumidores importantes e para o próprio marido. Isso é o conceito de empreendedorismo rural e agregação de valor. Dito isto, só fico triste de não ter tido a oportunidade de conhecer a minha bisavó. Com certeza, seria um pesquisador melhor.
Não há como negar que as mulheres são seres maravilhosos. Têm uma sensibilidade diferenciada e percepção das sutilezas da vida. Também são multitarefas, isso é uma vantagem adaptativa imensa num processo que envolve tantas variáveis como a pós-colheita do café.
Nós homens não conseguimos achar nossas meias nas gavetas. Talvez seja melhor delegar às mulheres a decisão de achar os melhores frutos na lavoura.
Eu não sei como é a cafeicultura na sua região. Aqui na Amazônia, nossos melhores cafés tem alma feminina. Talvez por isso nossas bebidas começam a apresentar nuances florais e ficam, a cada dia que passa, mais doces e brilhantes.
Vida longa e muita saúde às mulheres do café na Amazônia! As responsáveis por tonar nossa bebida tão complicada e perfeitinha.
*Enrique Anastácio Alves é doutor na área de Engenharia Agrícola e, desde 2010, atua como pesquisador A na Embrapa, nas áreas de Colheita, pós-colheita do café e qualidade de bebida. Contato: enrique.alves@embrapa.br