“Por coincidência ou não”, o presidente da Rússia, Vladimir Putin, decidiu atacar a Ucrânia. Ironias à parte, a invasão russa traz um novo elemento de incerteza a um planeta assolado por uma grave crise sanitária. Diante da retórica inflamada de Putin, caberá ao Ocidente – leia-se, Estados Unidos e membros da União Europeia – tomar uma difícil decisão: qual o custo a pagar para conter as ameaças impostas pelo presidente russo?
A pergunta não é trivial. Afinal, a determinação do “custo ótimo” não dependerá tanto das preferências dos líderes europeus ou de Joe Biden, mas sim do grau de tolerância dos eleitores. É possível que, para além das declarações de apoio nas redes sociais, o eleitor médio esteja pouco disposto a arcar com os custos econômicos de um conflito prolongado com a Rússia.
Exemplos não faltam. Muito se falou sobre como a Europa depende do fornecimento de gás russo. Pois bem, o aprofundamento do conflito significaria um aumento do custo da energia consumida pelas residências europeias. Aceitarão os eleitores uma conta mais alta?
As evidências nos obrigam a adotar uma postura cautelosa. Há apenas alguns anos, o presidente da França, Emmanuel Macron, decidiu implementar um imposto progressivo sobre os combustíveis fósseis de modo a incentivar uma redução na emissão de gases de efeito estufa. O resultado: protestos nas principais cidades francesas, naquele que ficaria conhecido como o movimento dos “coletes amarelos”. Após semanas de impasse, Macron desistiu do projeto.
Um conflito duradouro também significaria o aumento do custo de commodities relevantes, como o milho e o trigo. Milho mais caro significa maiores custos para a produção de proteína animal: como reagirão os eleitores europeus e estadunidenses? Lógica semelhante vale para o trigo: de que maneira responderão a um aumento do preço do pão? Votando nos partidos da chamada “direita populista” – muitos dos quais com líderes que, até bem pouco tempo, não escondiam a admiração por Vladimir Putin?
Diante de um cenário tão desafiador, a melhor notícia para aqueles que desejam conter as pulsões imperialistas de Putin é o comportamento do presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky. Acostumado às câmeras, Zelensky vem produzindo materiais que aumentam a predisposição de cidadãos europeus e estadunidenses em apoiar medidas duras contra a Rússia. Apenas para ficar em um exemplo, em cerca de duas semanas a Alemanha passou da cautela a fim de garantir o acesso ao gás russo a anunciar uma expansão considerável de seu orçamento militar. Ainda assim, nada garante que o descontentamento com as consequências econômicas da guerra não supere a eventual simpatia aos ucranianos demonstrada desde o início da invasão russa.
Do outro lado da trincheira, tampouco abundam as certezas sobre o “custo ótimo” da guerra. De fato, o ímpeto de Zelensky e o apoio crescente do Ocidente são más notícias para Putin. O líder russo contava com uma resolução rápida da agressão ao país vizinho. A cada dia de frustração, aumenta a pressão para o fim das ações militares. Nacionalismo algum resistirá por muito tempo com sanções que erodem o valor do rublo e dificultam a integração da economia russa com o mundo. Em particular, a elite que sustenta o regime de Putin é composta por oligarcas com um pé em Moscou e outro no exterior. Seria um erro supor que a fidelidade ao líder os levaria a aceitar uma punição econômica exagerada.
Por tudo isso, é possível que o desfecho do conflito ocorrerá quando uma das partes for “vencida pelo cansaço”. Países europeus e Estados Unidos devem garantir um apoio mínimo da população para medidas que contenham Putin, obrigando-o a tomar riscos crescentes. Entretanto, existe o temor de que seus eleitores não estejam dispostos a arcar com tais custos. Por outro lado, Putin pode estar cavando a sua própria sepultura política ao adotar uma política que gere custos exagerados à população russa.
Enquanto o “cansaço” não chegar, o risco de um erro de cálculo será constante.