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Reformas pró-mercado: quais mesmo?

BRUNO VARELLA MIRANDA

EM 01/02/2022

3 MIN DE LEITURA

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Ano de eleição presidencial no Brasil começa sempre com incerteza. Ainda assim, determinados padrões se repetem. Um deles é o apelo insistente pela emergência de candidatos que promovam as chamadas reformas “pró-mercado”. Argumenta-se que tais reformas ofereceriam o único caminho para a superação das dificuldades enfrentadas pela economia brasileira.

Trata-se de uma reivindicação legítima. Não raramente, porém, os pedidos por reformas “pró-mercado” partem de uma caracterização superficial da palavra “mercado”. Há mesmo uma tendência em confundir o termo com setores específicos da economia – em particular, com os interesses do setor financeiro. A consequência é a existência de certa confusão sobre o real significado de uma política voltada ao fortalecimento dos mecanismos de “mercado”.           

Reflitamos, então, sobre as possíveis interpretações para a noção de “mercado”. Uma primeira caracterização enfatiza a existência de um mecanismo descentralizado para a determinação de preços. Em outras palavras, o “mercado” seria uma dimensão da vida social em que muitas pessoas venderiam a comprariam produtos.

Se essa é a interpretação utilizada, são muitas as vantagens derivadas da existência do “mercado”. Além de promover a competição, a interação entre milhões de pessoas com suas preferências e acesso a um conjunto particular de dados permite uma dispersão mais eficiente das informações relevantes. Quando observamos a cotação internacional de uma commodity, costumamos nos esquecer que aquele preço resume muitas informações que ajudam a explicar a oferta e a demanda pelo produto: gostos dos consumidores, características do clima em distintas partes do mundo, decisões dos produtores, existência de conflitos armados, entre outras variáveis. Nenhum outro mecanismo de alocação de recursos conseguiria processar tamanho volume de informações de forma mais eficiente.     

Isso não significa que o “mercado” seja apenas um sistema em que oferta e demanda se equilibram de forma quase “mágica”. Desde os anos 1970, economistas influentes como Douglass North têm sublinhado o fato de que mercados “desregulados” não existem. Conforme descrito por uma vastíssima literatura, qualquer mercado depende de regras claras para existir. O funcionamento do “mercado” depende de escolhas feitas por humanos, que desenham e, na melhor das hipóteses, aperfeiçoam as instituições de uma sociedade. Assim, a vitalidade desse sistema descentralizado é garantida por regras muitas vezes criadas em outras dimensões da vida social, como a política.

Em uma democracia, tais escolhas idealmente refletem as preferências de uma coalizão de eleitores capaz de representar distintas sensibilidades, e não as de uma única pessoa ou setor da sociedade. De fato, é desejável que o estabelecimento das regras que orientam o funcionamento do “mercado” derive das preocupações e necessidades de um grupo heterogêneo de indivíduos e setores econômicos. Quando ninguém tem o poder de ditar as regras do jogo, o resultado é o desenho de políticas que fortalecem o sistema – e, portanto, reforçam as suas vantagens.

Por outro lado, o acúmulo de poder nas mãos de poucos tende a gerar um processo de “captura” das instituições. Com isso, o desenho das regras que regulam o funcionamento do “mercado” fatalmente reproduz os interesses daqueles grupos com poder concentrado. O resultado é a consolidação de distorções e privilégios que, no longo prazo, afetam o nível de desenvolvimento econômico de uma sociedade.  

Daí reside a importância de evitarmos uma segunda interpretação para o termo “mercado”, qual seja, aquela que o associa com as opiniões de agentes influentes do mercado financeiro. Que fique claro, a existência de um setor financeiro robusto é uma condição necessária para o desenvolvimento econômico de qualquer sociedade. Entretanto, a eventual “captura” da regulação por parte das empresas do setor pode ter um efeito tão negativo quanto o acúmulo exagerado de poder nas mãos de qualquer outro segmento da sociedade. A história recente – vide o exemplo da crise de 2008 – nos mostra que a associação automática entre os termos “mercado” e setor financeiro pode nos levar à destruição de valor.

Em resumo, “pró-mercado” são sempre bem-vindas. Entretanto, sua plena materialização depende do uso de uma concepção clara da ideia de “mercado”. O “mercado” nada mais é do que um mecanismo descentralizado em que milhões de pessoas fazem escolhas econômicas. Nesse sentido, a promoção de reformas “pró-mercado” implica criar condições para que todos possam dele participar. E tal objetivo, por mais contraditório que possa parecer, significa que o Estado também possui um papel importantíssimo no processo.

BRUNO VARELLA MIRANDA

Professor Assistente do Insper e Doutor em Economia Aplicada pela Universidade de Missouri

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