Discutir a situação do mercado internacional de café exige uma perspectiva que não se limite ao que ocorre no interior do sistema agroindustrial. Compreender os movimentos desse mercado demanda atenção a diversos fatores que afetam a habilidade de milhões de cafeicultores de entregar o seu produto. A lista é longa: intempéries, pandemias, conflitos civis, incerteza política, entre outros. Qualquer exercício de futurologia dedicado a desvendar os segredos do mercado internacional de café deve reconhecer o papel da – crescente – incerteza climática e institucional sobre os processos de criação de valor no setor.
Diante de uma realidade tão complexa, faz-se necessário ampliarmos nossa perspectiva sobre as fontes de valor em um sistema agroindustrial. Inspirados pelas ideias do economista britânico David Ricardo, é comum pensarmos que a criação de valor na agricultura deriva da posse ou da contratação de recursos com produtividade superior. Por exemplo, o Brasil é líder em diversos segmentos do agronegócio por contar com um formidável estoque de recursos naturais e recursos humanos capazes de transformá-los em produtos cobiçados em todo o mundo. Via de regra, é esse o relato predominante nas abundantes – e relativamente homogêneas – caracterizações do agronegócio brasileiro.
Embora seja um bom começo, tal caracterização é insuficiente. Afinal, qualquer processo de criação de valor em um sistema agroindustrial depende não apenas dos recursos ali concentrados, mas também da capacidade de adaptação de seus participantes. Uma segunda fonte potencial de valor deriva da habilidade de adoção de inovações. Conforme nos mostra a obra do economista Joseph Schumpeter, o espírito empreendedor que nos motiva a inovar é estimulado pela busca por “lucros extraordinários”. Não por acaso, processos de criação de valor na agricultura estão ligados à difusão de novas tecnologias.
Trata-se de um avanço em nossa caracterização do processo de criação de valor na agricultura. Entretanto, há ainda um terceiro aspecto a ser levado em conta. A criação de valor em um contexto agrícola é resultado direto do exercício de uma habilidade superior de organização do sistema agroindustrial. Ainda que de forma indireta, devemos a outro economista, Ronald Coase, tal ideia. Um sistema agroindustrial organizado de maneira eficiente implica menores custos de governança a serem compartilhados entre seus participantes. Não raramente, também implica o acesso a um conjunto mais amplo de oportunidades de negócio.
Por lidar com aspectos organizacionais, esse terceiro aspecto talvez seja o mais importante para explicar o desempenho de sistemas agroindustriais em um país em desenvolvimento. Afinal, a resiliência de um sistema agroindustrial deve ser avaliada com base em sua capacidade de lidar com a incerteza institucional e, eventualmente, ocupar os “vácuos institucionais” derivados da ação errática do Estado. As inúmeras atribulações ocorridas no mercado internacional de café nos últimos anos apenas confirmam essa hipótese. É provável que, na próxima década, tal tendência ganhará ainda mais força.
Em resumo, qualquer reflexão sobre o futuro do mercado internacional de café deve incorporar uma visão crítica sobre o processo de criação de valor no setor. Somente uma ampliação dos nossos horizontes nos permitirá compreender a natureza das fontes desse valor – e o que devemos fazer para uma apropriação mais efetiva de tais ganhos potenciais.