O debate em curso sobre os vícios e virtudes da “velha” e da “nova” política vai além das formas. Para entender a natureza do caos institucional em Brasília, convém prestar atenção no conteúdo. Ou, para ser mais preciso, naquilo que o presidente Jair Bolsonaro revela em suas aparições. Um bom exemplo é a controvérsia sobre a importação das bananas do Equador. Seria o produto relevante para a balança comercial do país? Não. Trata-se de uma prioridade em um momento de discussão de reformas como a da Previdência? Não. Ainda assim, o protagonismo das bananas equatorianas é notável nas transmissões ao vivo de Bolsonaro.
Muito se especulou sobre os motivos de tal interesse pelas bananas: reflexo da infância vivida em uma região produtora, familiares envolvidos no negócio... Independentemente da motivação, a insistência de Bolsonaro ajuda a demonstrar o quanto as estruturas não convencionais de transmissão da informação têm influenciado os primeiros meses do seu governo. Algumas são tradicionais, como os laços de família ou relações com amigos – variáveis que fatalmente influenciarão, em maior ou menor medida, qualquer governante. Outras, porém, são emergentes, e ajudam a trazer a tempestade para o centro da administração.
Bolsonaro oferece uma espécie de “contato direto” com o seu eleitorado que acaba condicionando os rumos da administração. Afinal, os mecanismos escolhidos para essa interação tão típica dos defensores da “nova política” – as redes sociais – têm funcionado como uma caixa amplificadora de polêmicas estéreis e impaciência. No fim das contas, tem a sua demanda escutada quem é capaz de entrar no emanharado de mensagens curtas sob o radar do limitado núcleo de poder ao redor do presidente. Pior, esse emaranhado costuma confirmar preconceitos e visões de mundo distorcidas.
O resultado é duplamente negativo. Por um lado, nota-se uma espécie de distopia que leva o presidente a exagerar a importância de um discurso “duro” em relação aos outros poderes. Bolsonaro acredita que a sua sobrevivência política dependerá do humor de seus eleitores mais fiéis. Para tanto, parece buscar evidências no funcionamento frenético das redes sociais – ambientes em que as promessas de apoio incondicional costumam ter pouco fôlego e os arroubos de intransigência um valor simbólico. O resultado é a paralisia administrativa e o desmoronamento precoce da sua frágil base de apoio no “mundo real”.
Por outro lado, os avanços rápidos que propõe – também à moda das redes sociais e suas soluções “fáceis” – parecem inspirados em conversas com um grupo limitado e com demandas relativamente desorganizadas. Como era de se esperar, o espectro dos temas abarcados é amplo: ontem foi a embaixada brasileira em Israel, hoje as bananas equatorianas, e quem sabe o que será amanhã. No governo Bolsonaro, mesmo a ação sugere uma autoridade deteriorada antes da sua consolidação.
Essa lógica de exercer o poder é problemática porque carrega uma dose de imprevisibilidade suficiente para impedir a formação de qualquer coalizão viável de sustentação. Ao tentar agradar os impulsos daqueles que defendem uma ruptura incondicional com o status quo – os ansiosos das redes sociais e os amantes das teorias da conspiração no círculo mais próximo ao poder –, Bolsonaro corre o risco de emendar uma sequência incoerente de decisões. O resultado é a solidão. Chega a surpreender a rapidez com que as relações entre o Executivo e os militares azedaram. Ou ainda, a incapacidade da liderança do partido do presidente de estabelecer um diálogo até mesmo com aliados táticos em todo o processo de enfraquecimento do governo Dilma.
Obviamente, existe a hipótese que o objetivo de Bolsonaro seja justamente fomentar as tensões e, assim, forçar uma solução que implique a retirada de travas institucionais à sua autoridade. Não seria o primeiro na história da política. Apenas para citar um caso brasileiro, Jânio Quadros esticou a corda e deu no que deu. No caso da atual administração, a estratégia soa irrealista por um simples motivo: não existe, hoje, uma agenda minimamente coerente que motive qualquer grupo social a pagar o preço da sua manutenção. De fato, o principal foco do Executivo – a reforma da Previdência – é uma medida potencialmente impopular.
Enquanto o circo pega fogo, até mesmo setores do governo que parecem funcionar em relativa ordem podem ser contaminados. A agricultura é um bom exemplo: de nada adianta a organização da porteira para dentro se, uma vez vencidos os limites do ministério, o caos impera. Na cadeira da presidência, a espontaneidade da “nova política” se torna um lastro para os setores mais eficientes da economia – e, portanto, dependentes da previsibilidade. Resta torcer para que a próxima obsessão a ocupar os pensamentos de Bolsonaro seja tão inócua quanto a “banana” das falas anteriores. Afinal, infelizmente a ação cambaleante pode ferir as possibilidades de uma recuperação econômica tanto quanto a paralisia atualmente sob os holofotes.