Nos últimos meses, as controvérsias sobre o futuro da política ambiental no Brasil ganharam corpo. Em parte, a atenção se deve a uma crescente preocupação sobre as consequências das mudanças climáticas – preocupação que vai muito além dos movimentos da ativista Greta Thunberg, por sinal. Do outro lado, temos um governo dependente da polêmica constante e amante da discussão pelas redes sociais. O resultado é muita estridência e pouca clareza sobre um caminho a ser traçado para o futuro.
O que se nota é o estabelecimento de uma espécie de “política do esgotamento” no Brasil. Dado que uma porcentagem parece muito insatisfeita – e cansada – com o status quo atual, a solução tem sido desconstruir. Por trás desse esforço, a ala com maior propensão ao uso de teorias – encontrada, por exemplo, na área de Relações Exteriores – parece identificar uma luta pelo resgate da soberania nacional. De forma sintética, o raciocínio poderia ser resumido da seguinte forma: sendo a arquitetura institucional do Brasil o resultado de um esforço de subordinar a nação a um grupo de valores alheios a ela, faz-se necessário transformar “tudo que o está aí” para que uma nova arquitetura institucional nos permita expressar aquilo que realmente somos e sentimos.
Sabe-se lá o que somos ou sentimos. E nem precisaríamos nos preocupar em saber, dado que o Estado democrático de direito busca justamente mediar o diálogo entre os integrantes de uma sociedade diversa e complexa. Para além dos limites do Estado, entretanto, complexas relações existem entre sociedades com realidades históricas e institucionais particulares. Por mais que falar sobre soberania esteja em voga, é evidente que tal ideal tem limite claros – ou, quem sabe, o seu livre exercício não é isento de custos. Viver em um mundo interconectado implica aceitar que nossas escolhas serão condicionadas por aquilo que nossos parceiros potenciais almejam.
Para quem não compra o argumento, vale a pena resgatarmos um caso recente pertencente ao setor do café. Decisões como a da Nestlé, que recentemente anunciou que reforçará os testes para identifica a presença de glifosato nos cafés exportados por produtores brasileiros, demonstram como os maniqueísmos somente cabem nos 140 caracteres das redes sociais. Bandeiras e exortações à soberania nacional não esconderiam o fato de que, para vender ao exterior, devemos oferecer produtos com os atributos demandados pelos consumidores ali instalados. Nesse sentido, a inserção nos segmentos mais dinâmicos das cadeias globais de valor exige a adoção de estratégias suficientemente flexíveis para lidar com a diversidade de preferências fora de nossas fronteiras. Isso implica, não raramente, estarmos preparados para lidar com leis aprovadas em outros Estados.
E, tenham certeza, tais leis mudarão consideravelmente no futuro. O tema abre espaço para um longo debate; para simplificar, porém, limitemos a conversa à questão ambiental. De forma interessante, tendências contraditórias fazem com que não saibamos ao certo quais serão os limites para as mudanças nas preferências dos consumidores ao longo das próximas décadas. Embora o discurso de Greta Thunberg tenha certa influência junto aos jovens europeus, é interessante observar que protestos recentes – como os observados na França – foram potencializados após a decisão de aumentar o preço dos combustíveis fósseis. Já nos mercados emergentes, impera a incerteza: até que ponto tais temas ganharão a atenção de maiorias sólidas em países como a China e a Índia?
Seria irrealista, entretanto, imaginar que a transmissão de informação relevante ao longo das cadeias agroindustriais se limita àquilo sinalizado pelos consumidores. Muitas vezes, novos paradigmas surgem porque decisões estratégicas induzem a uma mudança radical nas práticas de um setor. Costumamos associar tais transformações à busca por lucros, mas há uma inquietação crescente sobre o futuro da empresa que nos permite imaginar um futuro em que os investimentos busquem algo mais que uma recompensa financeira. Iniciativas interessantes já existem, podendo exercer um papel central na organização das cadeias agroindustriais caso ganhem corpo.
Por exemplo, e se um número crescente de cidadãos começasse a investir em fundos “militantes”, com o objetivo de influenciar as políticas corporativas de empresas ao redor do mundo? E se tais fundos aceitassem assumir os custos de curto prazo do realinhamento das práticas no interior das organizações, desde que objetivos ambientais específicos fossem atingidos? É possível que, nas próximas décadas, vejamos o crescimento do uso das estratégias voltadas a influenciar os rumos de setores inteiros da economia por dentro. Se bilionários já se comprometem a doar a maioria de sua fortuna com o objetivo de investir em projetos de desenvolvimento, não seria de estranhar se uma parte desse dinheiro buscasse atingir objetivos em áreas como desenvolvimento sustentável, tirando proveito do dinamismo e dos fortes incentivos oferecidos pelo mercado.
Não há exortação à soberania que resista às perspectivas de ganho – ou às pressões de quem nos ajuda a pagar as contas.