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No meio do caminho tinha a China

BRUNO VARELLA MIRANDA

EM 28/06/2019

4 MIN DE LEITURA

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A vitória do candidato chinês, Qu Dongyu, para a diretoria-geral da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO, sigla em inglês) demonstra o enorme poder acumulado pelo governo da China no setor agrícola. Dongyu venceu com relativa folga a candidata apoiada pela União Europeia, a francesa Catherine Geslain-Lanélle, recebendo 108 votos contra 71 votos. Por sua vez, Davit Kirvalidze – o candidato da Geórgia apoiado pelos Estados Unidos – recebeu apenas 12 votos.  

Contados os votos, vale a pena discutirmos o significado da vitória de Dongyo. Embora seja evidente que a FAO não é uma burocracia onipotente, sua influência no terreno da formulação de tendências e diretrizes não deve ser desprezada. Muitos dos que se opunham ao candidato chinês temiam que a sua vitória significasse uma era de alinhamento da FAO à agenda chinesa para o setor agrícola. Em outras palavras, existe a preocupação de que a agenda da FAO durante os próximos quatro anos acompanhe as prioridades de Beijing.

Se esse será o caro, o futuro dirá. Entretanto, a eleição de Dongyo nos oferece um bom exemplo do peso que a China possui no setor agrícola global. Diga-se de passagem, tal peso é causa, e não consequência, do triunfo de um candidato chinês na eleição da FAO. Pode-se dizer que a vitória de Dongyu é fruto do ambicioso plano de financiamento estabelecido pela China com o objetivo de moldar o sistema de infraestrutura global. Conhecido como iniciativa Belt and Road, o programa pretende conectar o mercado chinês às rotas e recursos estratégicos que sustentariam o processo de crescimento econômico do país.

Para uma sociedade com mais de 1 bilhão de habitantes, é evidente que a iniciativa Belt and Road encontra na segurança alimentar da China uma de suas principais justificativas. Fundamentalmente, os investimentos chineses em infraestrutura buscam aumentar o leque de opções para o país. Por exemplo, Beijing há muito tempo trabalha a fim de reduzir a dependência das compras de grãos dos Estados Unidos – um insumo fundamental para o seu setor de proteína animal. Daí a atenção dada aos países da Ásia Central e da África, que poderão oferecer uma alternativa à soja produzida nas planícies estadunidenses.     

Com o avanço dos conflitos comerciais com a administração de Donald Trump, a iniciativa Belt and Road ganha importância ainda maior. Para facilitar a missão da China, do outro lado da disputa predomina o discurso frívolo e imprevisível do governo estadunidense. Enquanto Trump projeta “poder” nas redes sociais, Beijing estabelece as bases para seu projeto de desenvolvimento econômico de longo prazo. Por sua vez, a UE parece perdida em seu labirinto político, marcado pela convivência entre uma retórica ambiciosa em temas como sustentabilidade e direitos humanos e a dificuldade na administração de desafios práticos – vide o caso da crise dos refugiados.

Nesse sentido, a eleição de Dongyu fornece uma evidência interessante da capacidade relativa de convencimento de cada um dos protagonistas da disputa. Enquanto os Estados Unidos parecem desinteressados em persuadir os outros membros da comunidade internacional e a UE incapaz de lidar com as suas contradições, o governo chinês entrega um plano pragmático de atração de apoios. De fato, a China oferece um “menu dos sonhos” para dezenas de governos no mundo em desenvolvimento: grandes quantias de dinheiro para projetos em infraestrutura, metas ambiciosas que se ajustam aos prazos eleitorais domésticos e poucas perguntas sobre temas como direitos humanos e sustentabilidade. Não por acaso, a influência chinesa no continente africano tem crescido tão rapidamente, muitas vezes em estreita parceria com regimes autoritários.

É sempre bom frisar, os recursos chineses não garantem necessariamente o desenvolvimento de seus potenciais beneficiários. Em particular, a chegada desses investimentos em sociedades governadas por regimes pouco transparentes – caso típico no mundo em desenvolvimento – pode estimular a acumulação de ganhos nas mãos de elites corruptas e acentuar as desigualdades. Seria um erro, porém, culpar a chegada dos recursos pelos malfeitos. Se é verdade que a China faz poucas perguntas antes de enviar os recursos, é igualmente notável a facilidade com que as elites de tantos países em desenvolvimento têm aceitado atrelar o seu futuro ao fluxo de recursos vindos do país asiático. Não deveria estranhar o fato de a iniciativa Belt and Road ser um formidável instrumento de pressão diplomática nos dias atuais.

Em resumo, a eleição de Dongyo confirma: as transformações na agricultura ao longo do século XXI derivarão em grande medida do impulso dado pela China. Obviamente, a natureza dessa influência dependerá da forma como os alvos do interesse chinês se adaptarão aos planos de investimentos de Beijing. Até o momento, a avidez com que buscam atrair tais auxílios sugere que o poder de barganha do gigante asiático apenas aumentará. De fato, é possível que a administração de Dongyu na FAO seja um marco menor em tal processo. Ou, quem sabe, com um papel menos importante do que iniciativas como o projeto Belt and Road para a reorganização dos fluxos comerciais – e consequentes efeitos sobre as características das comunidades rurais – ao longo das próximas décadas. Cabe a nós entendermos melhor a natureza desse processo, e traçar estratégias para lidarmos com uma nova realidade.

BRUNO VARELLA MIRANDA

Professor Assistente do Insper e Doutor em Economia Aplicada pela Universidade de Missouri

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