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Moinhos de vento

BRUNO VARELLA MIRANDA

EM 29/05/2020

4 MIN DE LEITURA

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É difícil de entender a obsessão do atual governo do Brasil com a China. A recente divulgação do áudio da reunião ministerial de 22 de abril apenas adiciona mais elementos para uma tendência já conhecida. Nem mesmo razões ideológicas podem justificar tamanha insistência em criticar o país asiático. Diga-se de passagem, a mediocridade no nível do debate entre os integrantes do núcleo duro da administração de Jair Bolsonaro enfraquece a hipótese de que o atual Executivo seja inspirado por uma ideologia bem acabada. No máximo, é inspirado por uma coleção de slogans. Ao que parece, a seguinte frase resume a filosofia econômica da atual administração: deixa cada um se f**** do jeito que quiser...

Voltando ao tema central desse texto, as repetidas polêmicas criadas por integrantes do governo Bolsonaro só fazem sentido se analisadas segundo a lógica maniqueísta das redes sociais. Razões para o desconcerto abundam. Em primeiro lugar, a China é um grande comprador de produtos agrícolas brasileiros. Surpreende que um governo que se diz liberal e evoca constantemente a aderência às boas práticas do setor privado maltrate um cliente publicamente. Se a atual administração possui alguma intenção séria de apoiar o crescimento das exportações brasileiras de produtos agrícolas, terá que mudar a maneira como administra as relações com o governo chinês.

A má vontade com um parceiro tão importante não faz muito sentido nem mesmo se assumirmos – erroneamente – que o Brasil possui maior poder de barganha nessa relação. Há quem diga que é o caso, dado que os chineses dependem da importação de alimentos para garantir a segurança alimentar de sua população. O problema por trás de tal raciocínio é a desconsideração dos desdobramentos estratégicos de um eventual conflito diplomático entre Brasil e China no médio prazo. Se o governo de Beijing não pode confiar em um parceiro como o Brasil para a importação de alimentos, é provável que aumente a predisposição chinesa a estabelecer acordos com os Estados Unidos que envolvam algum tipo de concessão no terreno agrícola.

Por sinal, o progressivo encolhimento do papel da Organização Mundial do Comércio na determinação das regras para o fluxo de bens e serviços ao redor do mundo implicará um maior peso para acordos avulsos. Em um conflito entre grandes potências, o governo brasileiro parece optar pelo alinhamento automático com o país que não apenas compete conosco naquilo que fazemos de forma mais eficiente como também adota o lema “os Estados Unidos em primeiro lugar”. Confiar na estabilidade de um alinhamento baseado em tais premissas demonstra um deslumbramento nocivo para os interesses do Brasil. Nunca é demais repetir, um alinhamento automático com a China tampouco seria benéfico para nosso país.

Fundamentalmente, as críticas gratuitas ao governo chinês sugerem que o Brasil não sabe muito bem o que espera da relação. Afinal, a animosidade tem como alvo um país que protagonizará as relações internacionais ao longo do século XXI. Achar que o Brasil terá um lugar privilegiado nas discussões para o redesenho da ordem internacional devido ao seu alinhamento incondicional com os Estados Unidos – algo sugerido pelo ministro das Relações Exteriores Ernesto Araújo – é exagerar no otimismo. Quando chegar a hora de reestruturar a governança global, estarão sentados à mesa os protagonistas da nova ordem – entre os quais certamente a China – e os países que se mostrarem relevantes para construir pontes entre os antagonistas. Muito se fala sobre a Guerra Fria, mas é importante lembrar que a ordem internacional que nasce em 1945 é resultado direto das negociações entre Estados Unidos e União Soviética. Na hora do “vamos ver”, predomina o realismo.  

Finalmente, não custa lembrar que o rancor demonstrado em reuniões e postagens nas redes sociais é seletivo. Críticas à transferência de centenas de milhares de fábricas ao território chinês nem sempre reconhecem que os principais beneficiados por tais mudanças foram os acionistas das empresas que tomaram a decisão. Falta explicar como o “liberalismo” econômico à moda Trump pode ser aliado a abordagens que escolham quais países merecem e quais países não merecem a atração de investimentos. O próprio Donald Trump, tão incomodado com o desenho atual das cadeias globais de valor, é o primeiro a celebrar os ganhos do índice Dow Jones – alavancados, entre outros fatores, por estratégias baseadas na produção de bens e serviços em países em desenvolvimento. Será necessário impor barreiras à exportação de produtos chineses devido ao desrespeito às regras trabalhistas, de direitos humanos ou ambientais? Muitos analistas dirão que sim. Se essa for a decisão, porém, talvez sejamos afetados por tais restrições tanto quanto outros países em desenvolvimento.   

Em resumo, se a China é “esse cara que a gente tem que aguentar”, que exista boa vontade para a construção de uma lógica mais madura para justificar as potencialidades e limites da relação. Para tanto, porém, será preciso elevar o nível do debate. Estará a atual administração à altura do desafio? Até o momento, as evidências não inspiram otimismo.

BRUNO VARELLA MIRANDA

Professor Assistente do Insper e Doutor em Economia Aplicada pela Universidade de Missouri

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