Durante boa parte do século XX, ações coletivas buscaram evitar quedas bruscas nas cotações internacionais do café. O apogeu dessa política se deu com a negociação do primeiro Acordo Internacional do Café (AIC), respeitado tanto por países produtores quanto pelos principais consumidores. A história é bem conhecida: tal regime resistiu até o fim da década de 1980, quando desacordos levariam à extinção do modelo. Nem mesmo a crise dos anos 1990 seria capaz de viabilizar iniciativas semelhantes, conforme o exemplo da Associação dos Países Produtores de Café (APPC) nos lembra. Afinal, faltou cooperação.
O motivo? Boa parte do ímpeto que manteve o AIC de pé era geopolítico. De fato, a criação de um regime internacional do café resulta tanto do aprendizado acumulado por décadas de intervenção unilateral do Brasil quanto pelo apoio explícito dos Estados Unidos. É importante lembrar: as primeiras iniciativas de cooperação hemisférica coincidem com o período de instabilidade política das décadas de 1930 e 1940, quando a Casa Branca temia que países da América Latina se aproximassem de seus inimigos. Com o início da Guerra Fria, tal lógica apenas ganharia força – fornecendo o impulso necessário para a criação do AIC.
Avançando muitas décadas, nos deparamos com um cenário complexo. Diante dos problemas derivados do atual comportamento dos preços internacionais do café, faz-se necessário pensarmos em alternativas. Milhões de famílias na América Latina dependem diretamente da cafeicultura para seu sustento. Como desenhar políticas capazes de lidar com as dificuldades enfrentadas pelo setor? É possível resolver o problema apenas com uma abordagem “cada um por si”? Não seria o momento de concebermos ações coletivas que possam atenuar os desafios atuais?
A questão é complexa, exigindo muito debate. De qualquer maneira, se há algo que nos mostra a história, é que o êxito de ações coletivas ambiciosas depende do apoio tanto dos países produtores quanto dos principais consumidores. E, no curto prazo, isso significa contar com a participação ativa dos países desenvolvidos. É aí que reside uma espécie de ironia da história. Embora as probabilidades sejam pequenas, é possível que a ascensão de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos tenha aberto uma janela de oportunidade para a discussão de questões estruturais afetando a cafeicultura latino-americana.
Antes que o(a) prezado(a) leitor(a) pense que estou louco, enumero as razões para tal raciocínio. A atual administração nos Estados Unidos tem demonstrado apreço por soluções heterodoxas. Basta observamos a forma como negocia com a Coreia do Norte. Da mesma maneira, tem na questão da chegada de imigrantes da América Latina uma de suas obsessões. Tendo em vista o efeito das cotações de café sobre o fluxo de migrantes em diversas regiões do continente, talvez estejam dadas as condições para engajar a Casa Branca em um diálogo sobre o atual estado do regime internacional do café.
É evidente, nada garante que tal conversa leve a alguma solução. Provavelmente, os avanços seriam limitados. De qualquer maneira, a simples existência do diálogo contribuiria para a divulgação do problema. Em uma era marcada pela influência da identidade nas decisões econômicas, atrair a atenção dos consumidores é fundamental. Ao demonstrar que milhões de cafeicultores lidam com uma desafiadora situação nos dias atuais – e ao enumerar possíveis causas e efeitos –, seria possível angariar a simpatia de uma parcela maior da opinião pública.
E que fique claro, a lógica serve tanto para o engajamento do imprevísivel presidente quanto de seus opositores. Apoiar a cafeicultura da América Latina em um momento de críticas aos imigrantes de países diretamente afetados pelas oscilações nas cotações internacionais do café pode representar uma bandeira política. Só o futuro diria qual o real efeito de uma campanha de engajamento sobre as alternativas abertas aos produtores da região, mas explorar soluções criativas é fundamental. Muitas vezes, até os preconceitos de potenciais interlocutores podem inspirar desfechos que, na prática, geram consequências positivas.
Trata-se de uma sugestão um pouco “fora da caixa”, é bem verdade. Entretanto, sejamos francos: o poder de barganha do segmento produtor é muito baixo na atualidade. Desde o início dos anos 1990, testemunhamos a perda de influência e a redução dos ganhos relativos. Reduzir tais desequilíbrios deveria ser uma prioridade. Talvez seja possível utilizar a tendência da administração Trump a querer mudar o status quo e o seu estilo atabalhoado de atuação em favor de uma revisão parcial das estruturas do mercado internacional de café – ou, ao menos, no reforço da mensagem de que algo precisa ser feito para reduzir as instabilidades observadas no presente.
Voltando no tempo, é interessante notar que, ao longo de três décadas, o governo dos Estados Unidos lidou com as queixas e pressões da indústria local. Entre os líderes da iniciativa privada, havia a percepção de que o AIC prejudicava a competitividade das empresas. Considerados os custos e benefícios da política sob uma perspectiva mais ampla, porém, a Casa Branca manteve a sua postura até o fim da Guerra Fria. Ou seja, se contabilizados os eventuais efeitos negativos da adoção do socialismo por parte de um país produtor de café, a política fazia sentido para o país.
Por isso, talvez seja o caso de recordar insistentemente a administração Trump que uma melhor remuneração para os cafeicultores da América Latina ofereceria um incentivo mais poderoso para conter a migração do que a construção de um muro. E que tal política não depende necessariamente de recursos públicos, mas da viabilização de acordos entre agentes privados que permita que uma parcela maior dos ganhos gerados na cadeia chegue ao segmento produtor. Quem sabe o excêntrico bilionário não resolve escolher a cafeicultura para a sua “boa ação” do ano?