É crescente o interesse de gestores e pesquisadores pelo chamado “encurtamento das cadeias de suprimento”. Após décadas de rápida dispersão da produção ao redor do globo, críticas importantes à “globalização” das cadeias de suprimento nos convidam à reflexão.
Ao menos dois argumentos merecem destaque. O primeiro guarda relação com a sustentabilidade – e, em particular, com a “pegada de carbono” das cadeias de suprimento globais. Afinal, o funcionamento eficiente de tais cadeias depende do uso intensivo de energia, algo que pode significar a emissão de uma quantidade considerável de gases de efeito estufa (GEE). Nesse sentido, “encurtar a cadeia” significaria evitar uma parte dessas emissões.
Já o segundo argumento ganhou força com o avanço da COVID-19. Cadeias de suprimento globais necessitam que as fronteiras estejam abertas. Mais do que isso, demandam agilidade na resolução de questões aduaneiras e a garantia de rápida mobilidade daquelas pessoas responsáveis por monitorar o fluxo de insumos e produtos entre as distintas etapas da cadeia produtiva. Assim, eventos como a pandemia afetam diretamente a estabilidade – e mesmo a viabilidade – das cadeias globais de valor. Potenciais vantagens como os custos de produção mais baixos em países em desenvolvimento perdem importância diante da incerteza e das dificuldades de ordem regulatória que resultam de uma emergência de saúde pública. Nesse sentido, “encurtar a cadeia” significaria minimizar os riscos causados por choques exógenos potencialmente disruptivos.
Poderíamos ainda adicionar um terceiro argumento, ligado ao potencial de criação de valor inerente a qualquer cadeia de suprimento. Em um mundo onde a origem de um produto ajuda a explicar o seu valor, são claros os limites para a “globalização” das cadeias de suprimento quando a estratégia é de diferenciação. Por mais que a denominação da origem não derive apenas de elementos objetivos, a construção da identidade exige a determinação tanto daquilo que um produto é – por exemplo, “café da Colômbia” – quanto daquilo que não é. Logo, quem vende “origem” possui limitações naturais para decidir onde produzirá ou de quem comprará.
Seria o “encurtamento” um caminho óbvio, então? De forma alguma. Se há algo que nos mostra o conhecimento acumulado sobre o funcionamento de organizações complexas, é que decisões organizacionais no mundo real partem da comparação entre alternativas imperfeitas. Dessa maneira, as críticas à “globalização” das cadeias de suprimento devem vir acompanhadas do reconhecimento de que o “encurtamento” também acarreta custos importantes. Deixando os custos mais óbvios de lado, é preciso questionar se as consequências do “encurtamento” não serão piores do que eventuais benefícios.
Pensemos no primeiro argumento de defesa do “encurtamento”: ao usar menos energia para transportar insumos e produtos, cadeias “curtas” seriam mais sustentáveis. Trata-se de um argumento superficial, que desconsidera algumas das consequências menos óbvias da relocalização. No caso da agricultura, “encurtar” a cadeia de suprimentos pode significar incentivos para o rápido aumento do cultivo de determinado produto. Quando tais incentivos derivam do funcionamento de cadeias de valor dinâmicas, podem afetar a sobrevivência econômica de agricultores dedicados ao cultivo de outros produtos.
Por exemplo, pressões para o “encurtamento” das cadeias de suprimento têm levado grandes empresas do setor agroalimentar a fomentar a produção de avelãs na Itália. Os motivos são os mais variados: más condições dos trabalhadores envolvidos na produção de avelãs em outros países, emissões de GEE ligadas ao transporte do produto, além, é claro, do argumento de que as avelãs italianas possuem uma qualidade superior. Nesse sentido, a decisão de “encurtar” a cadeia é vista como uma medida que permitiria um monitoramento mais eficiente das ações tomadas em cada estágio na produção – e, com isso, maior sustentabilidade.
O problema? O avanço da produção de avelãs tem afetado o cultivo de outros produtos igualmente relevantes e adaptados às condições locais. De repente, a monocultura da avelã passou a ameaçar produtores que pareciam integrados ao cenário local, cultivando alimentos que também estão associados com uma tradição de excelência, mas que não estão inseridos em cadeias tão dinâmicas quanto a “globalizada” cadeia da avelã.
Por isso, especialistas em desenvolvimento rural já questionam se a mudança faz sentido no longo prazo. O avanço da produção de avelãs, embora reflita o sucesso de vendas de produtos “made in Italy” ao redor do mundo, pode significar um padrão de produção ainda menos sustentável do que o anterior, consumindo recursos escassos em regiões que lutam desesperadamente para manter a vitalidade de suas comunidades rurais.
Trata-se de um único exemplo, mas suficiente para ilustrar um importante alerta. Assim como em outros debates complexos, o “encurtamento” das cadeias de suprimento deve vir acompanhado de uma análise atenta sobre os custos e benefícios de alternativas necessariamente imperfeitas. Antes de abraçar causas “bem-intencionadas”, convém ampliarmos a perspectiva. Só então poderemos adotar uma política que minimize os danos e, quem sabe, seja capaz de atenuar as perdas das partes afetadas.