Greve ou locaute, a paralisação dos caminhoneiros é sintoma de um conflito mais amplo. Fundamentalmente, testemunhamos o “empurra-empurra” entre distintos grupos da sociedade brasileira. Deixando de lado as reivindicações mais esdrúxulas dos grevistas – como os pedidos por uma intervenção militar –, patrões ou empregados buscam socializar tempos difíceis. Nesse sentido, a solução da atual crise envolverá a concessão de benesses que serão pagas por outros setores da economia.
Dotados de um enorme poder de barganha, os caminhoneiros podem – literalmente – parar o Brasil. Entretanto, a sociedade parece pouco disposta a pagar a conta. Experimente mencionar que o conflito atual resultará em impostos mais altos para que até mesmo o mais ferrenho defensor da atual paralisação pense duas vezes. Pior, outros grupos também possuem a capacidade de colocar o governo contra as cordas. Estaremos diante do despertar de uma temporada de greves e protestos? Considerando a errática reação de Brasília, o “empurra-empurra” pode continuar até o fim do governo Michel Temer.
Ironias na história de uma administração que pregava a superação do intervencionismo exagerado dos anos de Dilma Rousseff. Teoricamente, o esforço levaria à recuperação da credibilidade do Brasil junto aos investidores. Na prática, porém, o plano se mostrou de difícil realização. Seja por falta de capital político, convicção ou competência, esbarrou na realidade. E, infelizmente, dessa realidade todos somos um pouco responsáveis. Afinal, o “empurra-empurra” é um componente fundamental no funcionamento da economia brasileira.
Não por acaso, nosso governo é especialista em apagar incêndios temporários. Atuando como uma espécie de árbitro temperamental, o Estado brasileiro está acostumado a criar regras que provocam reviravoltas no resultado do jogo econômico. Basta que, para isso, um dos lados da disputa tenha poder de barganha suficiente. O voluntarismo institucional afeta a estrutura de incentivos, desviando recursos para o aproveitamento de oportunidades artificiais. O caso da paralisação dos caminhoneiros é simbólico: não demorou muito para que mesmo liberais convictos, como o presidente da Câmara dos Deputados Rodrigo Maia, apoiassem a causa dos grevistas.
O argumento vale tanto para a ação quanto para a omissão. Veja o exemplo da reforma da Previdência, tão necessária e impopular. De novo, o “empurra-empurra” marca o debate. Ou, ainda, pensemos nos defeitos de nosso sistema tributário, cuja estrutura beneficia aqueles que mais têm. O limite do nosso ímpeto reformista se esgota assim que passamos a perder algum privilégio ou benefício. Temendo que o sacrifício pessoal seja utilizado unicamente em benefício de outros setores, todos se apegam àquilo que já possuem. Dessa maneira, parecem preferir pagar os custos do ajuste de maneira indireta. Seja com estagnação, inflação, confusão, ou tudo ao mesmo tempo, em algum momento a fatura será cobrada.
Estamos tão acostumados ao “empurra-empurra” que escolhemos um lado e torcemos pelo seu êxito em momentos de disputa acirrada. De fato, chama a atenção o apoio de setores da sociedade brasileira aos grevistas – mesmo que, na prática, sua estratégia de curto prazo e reivindicações de longo prazo gerem uma pesada conta a ser dividida entre todos. Um argumento recorrente nas rodas de conversa é o de que a paralisação atingiria a classe dos “políticos corruptos”. Ou seja, é provável que muitos brasileiros acreditem que bastaria um melhor uso do dinheiro desviado em escândalos de corrupção para que a atual crise fosse resolvida.
Embora os efeitos negativos da corrupção sobre o Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil sejam consideráveis, o raciocínio acima é perigoso. Afinal, pode levar à conclusão de que nossa miséria não se deve à escassez de recursos, mas ao seu uso equivocado. Com isso, pode reduzir o ímpeto para reformas mais amplas nas instituições econômicas brasileiras. Que ninguém se engane: ambos os problemas estão relacionados. Com seus favores e recompensas, a lógica do “empurra-empurra” fornece inúmeras oportunidades para a corrupção.
Se algo nos lembra a atual crise, é que a relação entre Estado e sociedade precisa de uma profunda transformação. O governo deve ser um árbitro imparcial, cujas regras estáveis criam incentivos para uma competição leal. Ao invés de estimular o “empurra-empurra” entre os distintos setores da economia com suas “viradas de mesa” e soluções provisórias, necessita adotar políticas que reflitam a escassez de recursos. Mas, para isso, cabe aos cidadãos brasileiros entender que a superação das dificuldades exigirá sacrifícios de todos.
Nada indica que tal transformação ocorrerá no futuro próximo. Infelizmente, estamos mais próximos da eleição de um “salvador da pátria” do que do estabelecimento de um processo de amadurecimento institucional do país. Um movimento que pregava reduções do preço do diesel hoje defende benesses para os consumidores da gasolina, do gás de cozinha... No Brasil do “empurra-empurra”, o ganho de curto prazo dita o ritmo. Afinal, lá na frente sempre existe a possibilidade de dividir a conta dos excessos com a sociedade.