O termo “descomoditização” virou quase um sinônimo de êxito. Na agricultura, passou a ser um atalho para a discussão de oportunidades – e desafios – como diferenciação e agregação de valor na produção rural. O que significa, porém, “descomoditização”? Estamos diante de uma força irresistível que transformará a maneira como produzimos e comercializamos bens agrícolas?
Se quisermos entender todas as implicações da “descomoditização”, convém refletirmos sobre a origem do termo. Para tanto, um ponto de partida instrutivo é o significado do termo “commodity”. Em sua definição mais simples, a palavra “commodity” nos sugere a existência de um mercado em que muitos produtores ofertam bens homogêneos – ou seja, com os mesmos atributos. Essa parece ser também uma caracterização suficiente para o termo. Embora muitos analistas apontem outras características na definição da palavra, elementos adicionais confundem mais do que esclarecem.
Há quem diga que a “commodity” é produzida com tecnologias relativamente simples. No entanto, a homogeneidade de um produto não deriva do uso de tecnologias “simples” ou “complexas”, mas do uso de uma mesma tecnologia. Por sua vez, processos de “descomoditização” podem ocorrer mesmo em segmentos caracterizados por um uso pouco intensivo de tecnologia – ou, quem sabe, não depender diretamente das escolhas tecnológicas. Por exemplo, a importância de fatores como a “denominação de origem” na construção de estratégias de “descomoditização” na agricultura nos demonstra a importância de atributos simbólicos na criação de produtos heterogêneos.
Da mesma forma, a constante associação entre o termo “commodity” e a comercialização de produtos no mercado internacional pode distorcer a mensagem fundamental por trás do termo. Afinal, a existência de um mercado global não é uma condição necessária para a comercialização de produtos homogêneos. Apesar de facilitar o estabelecimento de conexões entre produtores e consumidores de distintos países, a homogeneidade de um produto só justificará o estabelecimento de um mercado internacional caso preferências ou necessidades semelhantes existam.
Podemos, então, apresentar uma definição para “descomoditização”. Ao adotarmos a interpretação mais simples para o termo “commodity”, associando o uso do termo à identificação de “produtos homogêneos”, concluiremos que a “descomoditização” demanda a produção de bens ou serviços com atributos não encontrados com frequência no mercado. “Descomoditização”, em outras palavras, significa diferenciação.
Nos segmentos “descomoditizados”, as práticas e informações típicas de um mercado “commodity” são apenas parcialmente úteis. Investir em diferenciação exige a identificação de potenciais compradores ou vendedores de um produto com atributos únicos, a negociação de contratos e o monitoramento das promessas feitas no momento de sua assinatura. A “descomoditização”, assim, implica um aumento dos custos de governança para a materialização das transações. Se a “descomoditização” avança, é porque empreendedores consideram que os benefícios esperados da diferenciação – ou seja, a criação e a apropriação de valor – são maiores do que eventuais custos de coordenação de transações mais complexas.
Nada garante, porém, que os benefícios derivados da diferenciação estarão protegidos no longo prazo. Na agricultura tal proteção é particularmente difícil. De qualquer maneira, a “descomoditização” de hoje só significará diferenciação no futuro caso não possa ser facilmente copiada por concorrentes. Caso contrário, apenas motivará a proliferação de estratégias semelhantes e a progressiva erosão da posição inicial dos pioneiros no esforço de “descomoditização”.
De fato, o segmento “descomoditizado” poderá terminar com características semelhantes às de um típico mercado “commodity”. Por um lado, a proliferação das estratégias de “descomoditização”, se motivada pelo desejo de copiar um pioneiro, aproximará o segmento do mercado da chamada “concorrência perfeita”. Afinal, mais gente fará algo muito parecido. Por outro lado, o número crescente de empresas envolvidas na produção e comercialização de bens semelhantes permitirá um acúmulo mais rápido do conhecimento necessário para o desenho de contratos e rotinas padronizadas, reduzindo os custos de governança das transações.
Por isso, o atual processo de “descomoditização” não levará ao fim das “commodities”. Pelo contrário, impulsionará uma mudança paulatina no segmento de produtos homogêneos. Aquilo que no curto prazo significa “descomoditização” poderá ser apenas um requisito para a participação em um mercado “commodity” no futuro.