Se a Califórnia fosse um país, seria o quinto mais rico do planeta. Diante de tamanha prosperidade, é evidente que aquilo que ocorre nessa porção dos Estados Unidos tem o potencial de afetar bilhões de pessoas.
Pois bem, o governo estadual da Califórnia aprovou recentemente um ambicioso plano de descarbonização da economia. O plano prevê investimentos de 54 bilhões de dólares e a promessa de neutralizar as emissões de carbono até 2045. Uma década antes, será proibida a venda de carros movidos a combustíveis fósseis – decisão que, diga-se de passagem, vem sendo discutida nos parlamentos de diversos países europeus.
Os objetivos da Califórnia são ambiciosos e, portanto, devem gerar inúmeros desafios de implementação. Parte do desafio de materialização de políticas de mitigação das mudanças climáticas se deve ao fato de que reduzir a emissão de carbono significa, ao menos no curto prazo, que determinados grupos terão que pagar uma conta relativamente alta. Isso vale tanto para aqueles setores da economia caracterizados pelo uso intensivo de energia quanto para os consumidores.
Ainda assim, anos de desastres ambientais na Califórnia parecem ter criado as condições para a emergência de uma coalizão capaz de aprovar medidas mais arrojadas. Embora ninguém queira pagar a conta da adaptação, é crescente a percepção de que, sem uma redução nas emissões de carbono, a conta a ser paga será ainda maior. Mais especificamente, secas e incêndios têm mostrado aos eleitores da Califórnia que, sem uma grande transformação, as condições de vida nesse próspero estado tenderão a deteriorar progressivamente.
E é aí que mora o desafio. Mesmo o sucesso das políticas de regiões como a Califórnia será insuficiente para lidar com os desafios impostos pelas mudanças climáticas. Ou seja, a implementação das regras atuais não impediria uma piora dos níveis de qualidade de vida no estado se outros continuarem a emitir altos níveis de carbono. Compromissos multilaterais são necessários, assim, para evitar a catástrofe.
É provável que tal consenso multilateral seja ainda mais difícil do que a implementação das medidas da Califórnia. Logo, poderíamos concluir que a ambição dos californianos é irrealista? Talvez não. Por estarmos falando de uma potência econômica, é possível que as medidas unilaterais buscando a redução das emissões na Califórnia criem uma espécie de “efeito dominó” capaz de influenciar os países conectados aos fluxos do comércio e investimento internacional.
Afinal, é pouco provável que o eleitor californiano esteja disposto a arcar com os custos da transição a uma economia de baixo carbono enquanto observa potenciais concorrentes emitindo livremente. Empresas e investidores se verão diante da necessidade de demonstrar ambição semelhante na questão ambiental, sob o risco de exclusão de novas oportunidades de negócio. Aumentará, portanto, a pressão para o estabelecimento de restrições baseadas em critérios ambientais.
Podemos até olhar para o lado e fingir que o que ocorre na Califórnia não nos afeta. No entanto, não estamos diante de um mero “modismo”. A busca pelo descolamento entre a trajetória de crescimento econômico e a curva de emissões de carbono é uma realidade para dezenas de países que aspiram ocupar uma posição de liderança no cenário econômico mundial. Ironicamente, a pressão para que o Brasil seja mais ambicioso na adoção de políticas de descarbonização só não é maior porque muitos dos nossos principais clientes são países em desenvolvimento. Isso tende a mudar, porém. Com a China buscando liderar a transição para uma economia de baixo carbono, teremos ainda menos espaço para ignorar a realidade.
Em resumo: precisamos de um plano sério de transição rumo a uma economia de baixo carbono. Nossa falta de iniciativa significa que outros agirão para limitar as emissões do Brasil, impondo barreiras comerciais, sanções, ou simplesmente excluindo empresas e produtores brasileiros de cadeias globais de valor – medidas que aumentariam ainda mais o preço da adaptação.