Ao analisarmos um problema econômico, geralmente avaliamos a relação entre duas variáveis. Por exemplo, como o aumento do salário mínimo afeta o índice de desemprego? Nesse tipo de estudo, é comum o uso da expressão latina ceteris paribus, que nada mais é do que afirmar que “todas as outras variáveis são mantidas inalteradas”. É como se o mundo se detivesse por um instante, e pudéssemos isolar apenas a relação que nos interessa.
Trata-se de uma lógica útil para entendermos o curto prazo. No longo prazo, porém, “todas as outras variáveis” se alteram, provocando mudanças no mundo que, na prática, transformam os cenários que avaliamos. Ainda assim, usamos análises ceteris paribus frequentemente, algo que pode dificultar a identificação de transformações mais amplas na economia e na sociedade.
Por exemplo, buscamos entender de que maneira o aumento do preço dos fretes internacionais afeta os custos de produção de um determinado setor, como se as cadeias globais de valor fossem imutáveis. Não é o caso. De fato, as evidências sugerem que estamos diante de um processo de “regionalização” dessas cadeias. Quão “regionais” tais cadeias se tornarão, ninguém sabe. De qualquer maneira, quem insistir em achar que eventos como a pandemia da covid-19 e as tensões geopolíticas atuais não influenciarão o comércio internacional perderá terreno – e isso vale tanto para empresas quanto para países.
Outro exemplo? Avaliamos as consequências do aumento do custo dos combustíveis sobre variáveis específicas. Entretanto, não refletimos sobre o fato de que a forma como produzimos a maioria dos bens e serviços em nossa sociedade depende da oferta de combustíveis fósseis a preços baixos. Mudanças no padrão de preços no mercado de energia incentivarão uma transformação radical nos sistemas de produção ao redor do globo, exigindo investimentos em inovação e adaptação – e eliminando atuais vantagens competitivas que muitos acreditam ser eternas. Ao invés de nos prepararmos para esse “novo mundo”, insistimos na caótica busca de alívios para o curto prazo.
Análises ceteris paribus também são comuns na política, prejudicando nossa capacidade de compreender os desdobramentos de eventos disruptivos. Muito se discute sobre as estratégias de políticos que flertam com uma ruptura institucional no Brasil, como se o nível de apoio a um regime autoritário fosse apenas uma opção para obter mais votos e influência em uma democracia. Muitas análises parecem ignorar que o próprio peso das eleições muda de acordo com o cenário sob análise. O mesmo vale para um cargo eletivo: o político democraticamente eleito que cogita apoiar um “golpe” talvez não perceba que seu poder deriva das atuais regras do jogo. “Virada a mesa”, o poder será distribuído segundo uma nova lógica – e talvez muitos dos que hoje se apoiam em um discurso ambíguo diante das ameaças de ruptura institucional perderão o seu lugar à mesa.
Nos próximos anos, a impressão é a de que as análises ceteris paribus nos dirão cada vez menos. Diante de tamanha incerteza, teremos que dar mais atenção às mudanças bruscas que transformam radicalmente os cenários de análise.