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Certificação para quê?

BRUNO VARELLA MIRANDA

EM 31/07/2018

5 MIN DE LEITURA

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Ser um membro da comunidade CaféPoint implica acesso a informações que nos permitem entender melhor a situação da cafeicultura. Ademais, significa a possibilidade de interagir com os autores dos artigos e com leitores de distintas partes do território brasileiro. Recentemente li um texto publicado por Ulisses Ferreira, intitulado “O fim das certificações”. Trata-se de uma importante contribuição para o debate, em particular pelas interessantes questões que coloca. Inspirado pela provocação lançada pelo título do artigo, dedico os parágrafos a seguir a esboçar uma série de argumentos e perguntas sobre o tema.

Em primeiro lugar, proponho um exercício rápido: pensemos em uma saca de café como um conjunto de atributos. Exemplos de atributos são características sensoriais, a origem, a aderência a padrões ambientais definidos, etc. Outros atributos, embora não diretamente ligados à saca, resgatam dimensões como o perfil de quem produz tais grãos – por exemplo, um agricultor familiar.

Pois bem, passemos a refletir sobre a natureza de uma transação envolvendo essa saca de café. O que vende um cafeicultor? Se uma saca de café é composta por um conjunto de atributos, seria natural concluir que a decisão do comprador se baseará nas características específicas de cada um desses atributos. Nesse sentido, uma transação envolveria a transferência de um conjunto de atributos em troca de uma determinada quantia de dinheiro. No limite, seria possível dividir o preço pago por uma saca de café segundo os seus atributos, entendendo a importância relativa de cada atributo para o resultado final.   

O que as certificações têm a ver com isso? Ora, o objetivo fundamental de uma certificação é o de reduzir a assimetria de informação entre compradores e vendedores. Ou seja, o selo atesta que determinado atributo é parte integrante de uma saca de café. Ao fazê-lo, porém, uma certificação tende a se concentrar na mensuração das características dos atributos relevantes para o nicho que organiza..   

O mundo real é um lugar complexo, entretanto. Diante dos altos custos de mensuração, nenhuma certificação seria capaz de avaliar todos os atributos de uma saca de café. Daí a necessidade de focar em um subgrupo de atributos. Na prática, o êxito de uma certificação coincidiria com o estabelecimento de uma rede de produtores capazes de oferecer um subgrupo de atributos de forma homogênea – a aderência a padrões ambientais definidos, por exemplo

E, durante um tempo, tal foco costuma funcionar de forma adequada. Se prêmios foram – e ainda são – pagos a um grupo seleto de cafeicultores, é porque aquilo que o consumidor pagaria pela aquisição de um determinado atributo é superior aos custos de governança de uma certificação. O enredo ganha contornos dramáticos quando o tamanho do interesse por um atributo é menor do que a oferta. Qual o desfecho dessa história?

Em alguns casos, a lei da oferta e demanda leva a uma realidade em que eventuais ganhos mal pagam os custos burocráticos de verificação do atributo. Outra possibilidade é que os cafeicultores mais bem remunerados sejam aqueles que ofertam um atributo não diretamente mensurado pela certificação. Por exemplo, o êxito de um produtor familiar ligado ao movimento comércio justo pode depender das características sensoriais dos grãos que produz. Ou ainda, seus ganhos podem derivar de fatores estruturais, como a participação em redes de contatos que o aproximem do mercado consumidor.  

Não por acaso fala-se tanto na valorização da origem. Uma das vantagens da origem é a existência de claras barreiras para a expansão da oferta – a geografia. Por outro lado, a imaginação e os incentivos econômicos são capazes de redesenhar mapas, criar novas “origens” e, eventualmente, diluirem o significado do termo. O futuro nos mostrará quais os limites dessa estratégia de diferenciação.

De qualquer maneira, sempre que uma iniciativa bem sucedida levar ao estabelecimento de ganhos extraordinários, concorrentes tentarão abocanhar uma fatia do valor criado. Com o tempo, a tendência é de erosão das vantagens adquiridas por quem se mexeu primeiro. Quanto mais fácil copiar a estratégia, mais rápido tal processo ocorrerá.  

Estaremos diante do fim das certificações, então? A resposta depende da definição dada ao termo “certificação”. Se concebida como um instrumento para a obtenção de prêmios pela oferta de um atributo, é natural que a relevância das certificações oscile com o tempo. Caso o objetivo seja o de reduzir a assimetria de informação, porém, sistemas de certificação – ou, ao menos, as rotinas que os caracterizam – sempre serão relevantes. De fato, é natural o interesse de empresas no estabelecimento de instrumento que facilitem a mensuração das características do café comprado.  

E o cafeicultor, como fica? A criação de valor depende do oferecimento de atributos que sejam demandados pelo mercado. Isso não significa, porém, que tal valor seja capturado pelos produtores. Desde o fim dos anos 1980, os segmentos mais próximos do consumidor têm se apropriado de uma porcentagem crescente do valor total gerado pela cadeia agroindustrial do café – e, infelizmente, nada indica que tal cenário mude no curto prazo.

Precisamos pensar em alternativas que permitam aos cafeicultores aumentar a sua participação nos ganhos gerados pelo setor. Para tanto, criatividade nunca é demais. Faz-se necessário (i) definir atributos desejados pelos consumidores; e (ii) associá-los de forma inequívoca com o segmento produtor. Afinal, boa parte das dificuldades enfrentadas pelos cafeicultores quando o assunto é captura do valor gerado se deve ao fato de que a definição dos atributos relevantes ocorre em outros elos da cadeia.  

Outra possível ação implica (iii) o desenho de uma arquitetura organizacional que permita aos cafeicultores aumentar o seu poder de barganha. Por sinal, ações coletivas são úteis tanto para negociar com compradores quanto para aguçar a imaginação dos consumidores e demonstrar que uma saca de café é composta por um número maior de atributos do que a maioria das pessoas imaginaria. Obviamente, organizar o setor custa caro. Serão os eventuais ganhos de ações coletivas maiores que custos burocráticos de manutenção da cooperação? Apenas para ficar no exemplo mais óbvio, a experiência nos mostra que, para diversas cooperativas, a conta fecha. Para outras, não. Mas isso já é história para outro artigo.

BRUNO VARELLA MIRANDA

Professor Assistente do Insper e Doutor em Economia Aplicada pela Universidade de Missouri

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BRUNO VARELLA MIRANDA

SÃO PAULO - SÃO PAULO - PESQUISA/ENSINO

EM 11/06/2019

Prezado Ulisses,

Obrigado pelo comentário. É ótimo debater esses temas contigo, que entende tanto do tema.

Entendo o que diz sobre a visão de o comércio justo ser um "movimento". É verdade que a riqueza da história do comércio justo sugere a existência de algo mais amplo que um mero sistema de certificação. Trata-se de uma interpretação válida, e que captura a complexidade do fenômeno. Do ponto de vista do funcionamento do mercado "Fair trade", porém, noto uma heterogeneidade nas preferências dos participantes que, quando vista em conjunto, acaba por determinar um funcionamento do mercado de forma semelhante a um mercado certificado de outra natureza. Se o objetivo é aumentar a renda dos produtores - e as evidências mostram que a maioria dos produtores são atraídos pela possibilidade de obter uma melhor remuneração pela produção - é preciso prestar atenção nesses aspectos também.

Sobre confiar ou não em uma empresa, eu diria que não existe uma resposta automática. Tudo depende de como um padrão é criado e como os produtores participam do jogo - por exemplo, se possuem poder de barganha para pressionar por relações mais transparentes. Também é importante prestar atenção no comportamento de consumidores e acionistas: muitas vezes noto uma tendência a assumir que o comportamento de uma empresa privada como uma consequência natural da sua forma legal, quando, em realidade, estamos falando de organizações complexas e permeáveis a diversos tipos de pressões.

É possível que haja captura dos benefícios da certificação por parte das empresas? Claro que sim. Entretanto, também existe a possibilidade de uma elite dos produtores se apropriarem da maioria dos benefícios de uma ação coletiva.

Enfim, não tem solução fácil; é o desenho organizacional que determinará os incentivos, a distribuição das recompensas e a forma como eventuais conflitos serão resolvidos.

Atenciosamente,

Bruno Miranda
ULISSES FERREIRA DE OLIVEIRA

POÇOS DE CALDAS - MINAS GERAIS - PROFISSIONAIS DE CIÊNCIAS AGRÁRIAS

EM 07/06/2019

Bruno, fico muito satisfeito de ter o meu artigo citado no seu, sempre acompanho seus artigos aqui também. Parabéns pelo texto as questões apresentadas são verdadeiras. Ainda acredito que as certificações são importantes, no caso do comércio justo não vejo como uma certificação, mas sim como um movimento. Neste caso tenho uma visão um pouco diferente. Com relação às indicações geográficas perfeita a sua análise, a concorrência será saudável e dependerá da gestão de cada região, algumas acredito que não se sustentarão. Por fim me preocupo muito com os direct trade, isto porque naturalmente não confio que uma empresa irá criar e manter um programa próprio de sustentabilidade que seja realmente benéfica ao produtor e tenha atributos importantes como respeito ao meio ambiente e à comunidade, essas ações da próxima onda me preocupam e como consumidor ainda prefiro acreditar nas certificações.

Um grande abraço

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