Por Bruno Varella
Analogias e metáforas costumam ser mais poderosas do que a exposição cuidadosa de um argumento. Veja-se um exemplo recente sobre o Brexit: ao votar pela ruptura com a União Europeia (UE), milhões de cidadãos do Reino Unido pareciam acreditar que encontrariam um menu repleto de opções mais interessantes. Nesse sentido, o Brexit ofereceria a possibilidade de voltar a sentar à mesa e escolher o prato a ser servido. Após meses de árduas negociações e sucessivos desencontros, pode-se dizer que o sonho de um “Brexit a la carte” somente cabia na propaganda política de seus promotores.
De fato, os planos de contingência desenhados pelo governo britânico mostram que, no momento, predomina a preocupação com cenários de escassez de produtos básicos. As projeções do Banco da Inglaterra tampouco entusiasmam: independentemente do desfecho das negociações entre Theresa May e os comissários da UE, a previsão é de empobrecimento do Reino Unido (https://www.politico.eu/article/best-case-brexit-scenario-means-2-5-percent-hit-to-uk-growth-over-15-years/). Nem mesmo o Executivo britânico – em teoria, promotor da medida – parece seguro sobre os passos a serem tomados. Ao menos isso é o que sugere a recusa de May a discutir o que ocorreria caso a atual proposta de saída da UE não seja aprovada pelo Legislativo do país.
A interdependência limita escolhas, mas também cria oportunidades. É evidente, o país seguiria sendo relativamente próspero. Entretanto, o Brexit aprofundaria a corrosão do poder de influência britânico no cenário global. Por outro lado, chama a atenção a esperança posta pelo governo britânico na negociação de tratados comerciais capazes de reverter os malefícios do Brexit. Confiar na possibilidade de chegar a um acordo com uma personalidade tão instável como Donald Trump é, no mínimo, uma aposta arriscada. Diga-se de passagem, o próprio presidente dos Estados Unidos faz o possível para sublinhar os riscos de tal estratégia: ao conhecer os termos das tratativas entre o Reino Unido e a UE, fez questão de expressar seu ceticismo com o desfecho. Segundo Trump, qualquer mostra de concessão é interpretada como um sinal de fraqueza. Como tal visão de mundo se traduziria em ganhos palpáveis para parceiros dos Estados Unidos, eis aí uma pergunta sem resposta até o momento.
Estando nublada a via de diálogo com os Estados Unidos, é pouco claro de onde o Reino Unido obteria a energia para acelerar o seu crescimento econômico. Durante décadas, tanto a estrutura institucional quanto a produtiva do país se moldaram para aproveitar as oportunidades da associação com a Europa continental. Embora não seja perfeita, a UE favoreceu o florescimento de diversos setores da economia britânica. Ao romper tal equilíbrio, virá a necessidade de uma reinvenção que levará tempo. Estarão os cidadãos de uma nação desenvolvida dispostos a pagar o preço que virá com esse período transitório? Como reagirão caso os dividendos demorarem a chegar?
São perguntas importantes. O estabelecimento e a consolidação de qualquer estrutura produtiva complexa demanda tempo e a construção progressiva de regras de convivência. Nesse sentido, a negociação de um tratado de livre comércio costuma ser um passo importante, mas não o único. Em tempos de ansiedade e busca por resultados rápidos, uma dúvida fundamental diz respeito à resiliência da opinião pública às turbulências naturais derivadas de uma ruptura. Ainda que o resultado final fosse potencialmente positivo, aceitarão esperar anos até colher os frutos – incertos – dessa nova estratégia? Ou serão incentivados a apoiar estratégias erráticas, focadas em mitigar as inconveniências do curto prazo?
O Brexit nos faz refletir sobre outros chamados por ruptura ao redor do mundo. Reconstruir a relação entre os países exige realismo na análise de cenários. A imagem de um sistema internacional “a la carte”, repleto de opções a serem escolhidas, é ilusória. Afinal, o sistema que estrutura as relações entre Estados limita as opções disponíveis. Os argumentos que impulsionam iniciativas como o Brexit – ou, mais amplamente, a intenção de desmontar uma visão “globalista” do sistema internacional – parecem enxergar limitações apenas nas instituições. Tendem a esquecer, porém, que um das funções centrais de uma instituição é a de transformar incerteza em risco. Seja pela força ou pelas regras, concessões fazem parte do jogo.
Muito do clamor por ruptura parece se esquecer disso. Ou, ao menos, tende a mensurar equivocadamente o poder detido para impor as suas vontades aos outros. Quem sonha com um mundo “a la carte” sem os meios para torná-lo realidade acabará tendo que comer aquilo que sobrar do banquete alheio. Quando desenhadas de forma adequada, instituições ajudam a proteger os mais fracos – e aqui me refiro a um estado de debilidade não apenas em termos absolutos, mas em termos relativos. Da mesma forma, instituições podem auxiliar potências a amplificar o espaço de atuação em um mundo repleto de restrições. Seria o exemplo do Reino Unido, não fosse a falta de visão de longo prazo que tem contaminado o debate sobre o Brexit desde o princípio. Não é o único caso de miopia estratégica, infelizmente.