A mensagem provavelmente soará repetitiva. E, infelizmente, deverá se repetir outras vezes no futuro. Afinal, dia após dia damos mostras da nossa incapacidade de estabelecer uma estratégia articulada de longo prazo capaz de preparar o Brasil para os desafios do século XXI. A nossa dificuldade de estabelecer um plano para lidar com as urgências ambientais do presente é apenas a evidência mais estridente.
A dificuldade é generalizada, limitando os avanços em inúmeros setores da economia e da sociedade. Pode parecer que não, mas esse é um risco também para o nosso tão celebrado agronegócio. A cada exortação do passado glorioso que nos levou ao patamar atual de liderança nas exportações e alta produtividade, faria sentido perguntar se as condições estão dadas para futuros saltos no futuro. Se pensamos em uma estratégia ampla de país, talvez o cenário não seja tão promissor quanto muitos parecem acreditar.
O último capítulo da nossa trajetória errática tem até o seu resumo: o discurso de Jair Bolsonaro na Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU). Choca a falta de proatividade. Parece predominar um fatalismo de quem acha que “as coisas são assim mesmo”. Enquanto o fogo arde no interior do Brasil, destruindo um patrimônio inestimável e oferecendo imagens que corroem a nossa reputação no mercado internacional, tudo o que nos restou foi um discurso passivo-agressivo. Sempre na defensiva, Bolsonaro insistiu em seu enredo e reforçou as convicções da base de apoio. Foi incapaz, porém, de estabelecer uma única ponte com o outro lado da história – esse outro lado que, no limite, é quem compra aquilo que produzimos ou pode oxigenar o debate com ideias alternativas.
De fato, a impressão é a de que nossos clientes são também nossos rivais. Com isso, oferecemos “desculpas perfeitas” para que os europeus imponham barreiras aos nossos produtos agrícolas. Ao mesmo tempo, as bravatas ocasionais do governo nos distanciam de milhões de consumidores com alto poder aquisitivo no mundo desenvolvido. Não apenas isso, reduzimos o espaço para a cooperação com clientes pertencentes ao mundo em desenvolvimento, em nome de uma nebulosa ideologia que enxerga ameaças ao processo democrático em apenas uma parte do mostruário.
Até mesmo a escolha dos nossos amigos é feita com critérios duvidosos. Em uma aposta de alto risco, aliamos os nossos “interesses” a um lado específico da disputa eleitoral dos Estados Unidos – que, diga-se de passagem, tem se mostrado pouco generoso quando analisamos os desdobramentos práticos desse alinhamento. O que restará dessa aposta se o outro lado ganhar a disputa? Em meio ao caos do recente debate presidencial, sobrou tempo para uma ameaça velada do candidato Joe Biden: o avanço do desmatamento na Amazônia implicaria consequências econômicas.
Onde entra o futuro nessa história? Muitos se esquecem que a história do Brasil é marcada pelos ciclos econômicos. De fato, até mesmo o nome do país deriva de um desses ciclos. Se o passado serve de guia, são muitos os fatores que poderiam desestabilizar as bases da nossa competitividade atual na agricultura. No longo prazo, a tecnologia mudará e novos concorrentes emergirão. Variáveis políticas também importam, já que o sistema de coalizões entre países talvez nos feche portas com tarifas ou barreiras não tarifárias. Por isso, a nossa dificuldade em separar o agronegócio moderno e produtivo daquela minoria descompromissada com uma agenda de modernização produtiva e adequação a um conjunto de regras sociais e ambientais de vanguarda apenas acelera o possível fim do atual ciclo.
Afinal, quem acha que o agronegócio do século XXI será construído com a mera incorporação de terras e “exploração das riquezas naturais” em um território está profundamente enganado. O próprio agronegócio brasileiro nos oferece um excelente exemplo: se o setor se tornou um caso discutido e celebrado em todo o mundo, é porque foi capaz de expandir a sua habilidade de produzir mais com menos recursos.
Em grande parte do país, porém, ainda falta o básico: direitos de propriedade bem definidos, a plena implementação das regras ambientais vigentes, a criatividade para desenhar esquemas que ofereçam aos produtores rurais uma recompensa pela preservação do patrimônio ambiental comum. Principalmente, a coragem para a construção de coalizões em torno de princípios e não do grupo de pertencimento dos seus integrantes.
Por sinal, engana-se quem pensa que as assimetrias e contradições são um problema apenas para a parte mais débil da história. O desmatamento ilegal ou a violência na fronteira agrícola afetam diretamente a capacidade dos segmentos mais dinâmicos do agronegócio brasileiro de criar valor. Afinal, queremos vender mais do que commodities; deveríamos nos preocupar em vender também uma imagem. Ao oferecer uma resposta insuficiente a desastres como o observado no Pantanal, o governo brasileiro esvazia não apenas qualquer iniciativa de pensarmos o futuro, mas também a defesa do nosso legado agrícola. Com que credibilidade podemos argumentar que o agronegócio brasileiro poderá aumentar a sua produção sem desmatar se, ano após ano, as notícias nos mostram que a destruição avança?
A mensagem provavelmente soará dura. E é essa a intenção. O agronegócio tem plenas condições de assumir a liderança na construção do Brasil do século XXI. Um Brasil cuja economia e sociedade serão muito diferentes do Brasil do século XX, no melhor dos casos. No pior deles, teremos a oferecer “mais do mesmo” com o avanço das máfias e menos emprego para a população. E, sempre que conveniente, “pedaladas” – retóricas ou contábeis – que continuam a erodir a nossa reputação.