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À direita ou à esquerda, intervenção

BRUNO VARELLA MIRANDA

EM 08/08/2022

3 MIN DE LEITURA

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Poucas semanas após vencer as eleições para presidente dos Estados Unidos, Donald Trump fez um anúncio cujas implicações reverberam até os dias atuais. Durante a campanha, o empresário havia explorado com insistência o exemplo da empresa de ar condicionados Carrier, “acusada” de planejar a demissão de centenas de colaboradores de uma fábrica em Indiana e transferir as operações para o México. Uma vez eleito, Trump anunciaria que a Carrier tinha decidido manter as atividades em sua fábrica estadunidense. Em troca, a empresa obteria cerca de 7 milhões de dólares em incentivos e reduções de imposto – e, implicitamente, a simpatia do homem que parecia capaz de destruir a reputação de qualquer indivíduo ou empresa usando as redes sociais.   

O anúncio chamou a atenção não tanto pelo desfecho, mas por quem o anunciava: Donald Trump pertence ao Partido Republicano, cujos principais líderes intelectuais se opunham ao intervencionismo estatal na economia. Na prática, Trump estava trocando favores com uma empresa – e, assim, escolhendo de forma direta um potencial “campeão” no setor de ar condicionados. O problema, argumentavam diversos críticos do acordo, é que quem aponta uma empresa “campeã” também escolhe os “perdedores”.

O “perdedor” poderia ser qualquer empresa que não colaborasse com os planos do líder. Ainda nos Estados Unidos, a General Motors anunciou em 2018 o fechamento de cinco fábricas e a demissão de quase 15.000 funcionários. Furioso, Trump exigiu uma revisão dos planos da empresa. Em particular, o então presidente cobrava a manutenção dos empregos em Ohio – uma área cujos votos eram fundamentais para a reeleição de Trump. Nas palavras do próprio presidente, a General Motors “estava brincando com a pessoa errada”.       

O comportamento de Trump – e o silêncio generalizado entre os membros do Partido Republicano – eliminaria uma suposta diferença entre as chamadas “esquerda” e “direita” políticas. Até a eleição do polêmico empresário, existia a percepção de que políticas intervencionistas eram uma característica típica dos governos do Partido Democrata. O Partido Republicano, em contraste, seria caracterizado pela defesa do “menor governo possível”. Trump mudaria tal percepção, legitimando a intervenção direta também entre os chamados “conservadores”. Mais do que isso, reforçaria um novo método de governo, em que as regras estáveis de convivência entre o Estado e as empresas privadas dariam lugar à negociação direta e aos acordos circunstanciais. 

Essa metamorfose do Partido Republicano nos interessa porque aumenta a probabilidade de intervenção estatal direta no ambiente competitivo dos Estados Unidos. E isso pode significar mais voluntarismo em um mercado já conhecido pela ativa participação do Estado: o agrícola. Se a atual década ficará marcada pela preocupação com os preços dos alimentos, é improvável que os governos assistirão passivamente às oscilações dos mercados. Tal possibilidade apenas aumenta com a crescente percepção de que alguns segmentos das cadeias agroindustriais são caracterizados por uma concentração excessiva. Independentemente da validade desses argumentos – muitas análises econômicas nos mostram que a história é mais complexa –, a mera construção de um relato que sublinha o “poder excessivo das grandes corporações” ofereceria a justificativa para uma ação direta do governo.        

O que vale para os Estados Unidos parece valer também para o Brasil. Durante as últimas três décadas, muito se falou sobre os riscos do “intervencionismo de esquerda” – que, de fato, criou algumas políticas que fracassaram. No entanto, a ascensão do primeiro governo autodenominado “conservador” pouco fez para mudar esse cenário. Retórica à parte, exemplos como a conturbada relação entre a Petrobras e Jair Bolsonaro e a aprovação da chamada Proposta de Emenda à Constituição “das Bondades” nos mostram que a intervenção na economia é sim um meio considerado legítimo pela atual administração para a obtenção de fins políticos. Sendo assim, vença quem vença as eleições, a possibilidade de uma maior participação estatal na organização dos mercados agrícolas não deveria ser descartada.  

BRUNO VARELLA MIRANDA

Professor Assistente do Insper e Doutor em Economia Aplicada pela Universidade de Missouri

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