Em análise anterior (VEGRO, 2009), previa-se que o mercado passaria por estresse baixista decorrente das dificuldades de recomposição das economias abaladas pela crise econômica de 2008 e 2009, especialmente, considerando os reflexos recessivos sobre o emprego e renda das famílias. Em parte, essa previsão se confirmou, uma vez que o relatório da Organização Internacional do Café (OIC), informou que no ano civil de 2009 houve queda no consumo mundial da bebida. Nesse ano foram consumidas 128,8 milhões de sacas frente as 130,7 milhões de sacas consumidas no ano civil de 2008, queda de 1,5% na comparação entre os anos.
A manutenção da crise econômica global pode ser comprovada pela tendência de baixa para as cotações do petróleo. Depois de alcançar valores próximos de US$83/barril (tipo Brent), em agosto de 2010 os preços oscilaram em torno de US$78/barril. Portanto, na apreciação dos analistas dos mercados de commodities, não há pujança econômica que justifique especulação financeira em torno do produto. Até o momento, assim também se comportou o aço e outras importantes commodities.
Se é que as leis da economia não foram revogadas, a diminuição do consumo normalmente repercute em ajustes de preços para baixo. Com consumo em baixa, o que se poderia deduzir para as cotações do café? Na melhor das hipóteses um contexto de estabilidade. E de fato foi o que se viu até meados de junho de 2010, a partir de quando as cotações iniciaram um processo de recuperação que desde os elevadíssimos preços de 1997 não se observava nesse mercado. Que fatores econômicos ou não estariam por trás dessa escalada nos preços?
O mercado, aparentemente, padece sob efeito de uma espécie de choque de oferta causado pela frustração de duas safras consecutivas da Colômbia. Com médias de produção entre 11 e 12 milhões de sacas, as colheitas de 2008/09 e 2009/10 situaram-se entre 8 e 9 milhões de sacas. Aquele que foi o terceiro maior país produtor de café foi ultrapassado pela Indonésia. Como toda a formação dos preços do café está ancorada no Contrato C da ICE (Bolsa de Nova Iorque), o diagnóstico de escassez repentina dessa qualidade de café, causou imediato pânico entre os agentes desse mercado (especuladores, traders importadores, torrefadores e solubilizadores).
Sem oferta dentro do esperado, as cotações dispararam com prêmios para o produto padrão (Contrato C - colômbia supremo) acima dos US$100 cents/lbp. Mesmo com tais prêmios não foram certificados na Bolsa de Nova Iorque novos lotes do produto, mantendo-se o clima de escassez em mercado físico operando acima do futuro, fenômeno raro de acontecer entre as commodities.
Ainda que as autoridades colombianas tragam ao público suas estimativas de colheita de 11 milhões de sacas para a safra que se inicia, tal previsão tem pouca chance de se concretizar em virtude do agravamento da incidência de doenças fúngicas com grande potencial de reduzir essa esperada produção. Agentes privados, mantém suas previsões de colheita para o intervalo de 8 a 9 milhões de sacas, o que configuraria uma terceira safra com quebra na oferta.
Todavia, será que é preciso ancorar as interpretações para a escalada de preços do mercado de café em função, exclusivamente, da baixa de 2 a 3 milhões de sacas no suprimento do tipo supremo colombiano? Podem existir outros fatores que ainda não estão plenamente configurados, mas que já estariam pautando o mercado de café? São perguntas pertinentes para o momento atual e para as quais ainda não se possui explicações definitivas.
A despeito das irregulares e insuficientes precipitações que ocorreram em princípio de setembro, a estiagem por que vem passando os principais cinturões produtores de café no Brasil, contribui para a intensificação do ambiente de relativo pânico que um possível choque de oferta possa a vir a causar no suprimento do mercado. Mas essa explicação não é muito convincente na medida em que ocorreram outras estiagens prolongadas (como a da safra 2008/09), sem que os preços ganhassem tão maior volatilidade.
Ao longo dos últimos 15 anos os principais conglomerados da torrefação dos países importadores de café, foram testando o mercado com crescente introdução do tipo robusta na constituição de suas ligas. Essa estratégia industrial, ainda que competitiva em preços, causou uma espécie de aversão dos consumidores pela bebida, registrando-se estagnação ou queda no consumo em mercados até então consolidados. De outro lado, as torrefadoras que se posicionaram numa trajetória de incremento da qualidade privilegiando os cafés finos melhor preparados mantiveram taxas de crescimento de até dois dígitos.
Em parte a indústria torrefadora é a grande responsável pela atual escalada nas cotações, na medida em que ao privilegiar, no passado, seu suprimento nos robustas, deprimiu as cotações do arábica, criando ambiente de generalizado pessimismo sobre o horizonte dessa lavoura. A falta de investimentos e até a decisão radical de erradicação foram os fatores que mais se presenciou entre os cafeicultores de arábica em todas as partes do mundo. Não se pode esperar ganhos de produtividade com incremento da produção sem que ocorra a inversão capitalista. Todavia, para que isso aconteça há que necessariamente existir uma taxa de retorno favorável, condição absolutamente sine qua non. Parece uma obviedade, mas não é quando se entende que a formação das cotações no mercado internacional não guarda qualquer relação com os custos intrínsecos da produção, valendo-se de outros parâmetros para precificar suas aquisições.
De fato, comparativamente a outras commodities agrícolas, o arábica não foi beneficiado pelo ciclo de alta iniciado em 2003 e que se estendeu até a crise de 2008/09 e, novamente, voltou a vigorar já em meados de 2010. Diferentemente do ciclo anterior de valorização das commodities, neste o café se alinhou com o restante do conjunto do mercado, inclusive liderando-o com alta acumulada (para o arábica) superior aos 22% no ano e 34% nos doze meses contados entre agosto de 2009 e 2010 (LOPES, 2010). Em setembro, a tendência altista ganhou ainda maior impulso com cotação a se aproximar de um recorde histórico próximo dos US$200,00 cents/lbp.
Aparentemente, como de supetão, grande parte do mercado volta-se para o produto de qualidade. Os arábicas finos passam a ser disputados pelos líderes da torrefação mundial. As transnacionais querem os melhores cafés para oferecê-los de forma exclusiva aos seus consumidores. Criaram-se verdadeiros ícones no mercado como o desenho das máquinas e o preparo a partir de cápsulas da NESPRESSO, inovação que passou a ser invejada e perseguida pelos demais competidores.
No mercado de café, a virada para a qualidade é uma mudança de foco tremenda. A formação de preços dos cafés finos não estará mais vinculada ao volume de cafés baixos e robusta que são permanentemente oferecidos, mas sim nas disponibilidades dos produtos considerados superiores com padrão de xícara de elevada pontuação dentro das usuais escalas de classificação da bebida. A essa radical mudança pode-se denominar de primeira nova dinâmica do mercado de café.
A segunda dinâmica consiste em nova hipótese que ainda não testada pela comunidade científica e pode estar por trás da onda altista que se assiste no mercado.
Em meados de 1989, chegou ao fim o pacto entre países produtores e importadores que impunha cláusulas econômicas no Acordo Internacional do Café. Desde então, o universo dos países produtores assistiu uma monumental concentração do mercado de café. Transcorridos vinte anos, as quatro maiores torrefadoras congregam 45% do mercado mundial da bebida (Figura 1). Esse grau de concentração, possivelmente, já passa a prejudicar a formação de preços em condição de livre concorrência ainda que imperfeita, pois a baixa competição pelo limitado número de agentes conduz à criação de mecanismo de formação de preços menos transparentes porém, melhor amoldadas às pretensões de valorização acionária dessas companhias líderes.
Figura 1 - Market Share das Torrefadoras Líderes Globais, 2009.
Fonte: Euromonitor, 2010.
Do ponto de vista dos países produtores, especialmente, de seus cafeicultores, a concentração empresarial na ponta demandante estava sendo uma das principais barreiras para que o arábica se juntasse as demais commodities na trajetória de alta observada durante toda a década passada. Entretanto, o mesmo fenômeno passa a ocorrer entre os países produtores com apenas quatro deles concentrando pouco mais de 65% da oferta mundial (Tabela 1). Na safra 1999/00, por exemplo, esse conjunto de quatro países congregava 55%. Caso se tome em separado a oferta do arábica e somando-se apenas a produção do Brasil e da Colômbia, alcança-se uma concentração desse tipo ainda mais acentuada.
Tabela 1 - Market Share dos Quatro Maiores Países Produtores de Café, 2009/10 e 2010/11
1 Estimativa preliminar.
2 C4 é um indicador bastante simplificado que congrega a participação percentual dos quatro maiores produtores na oferta global, medindo, portanto, o grau de concentração existente nesse mercado.
Fonte: Relatório, 2010
Vetores formadores de uma nação São quatro os vetores que constituem o fulcro das ações em geopolítica: segurança militar; segurança financeira; segurança alimentar e segurança energética. Perceba que para cada tipo de vetor existe uma entidade que procura regular e coordenar as ações supranacionais. No caso da segurança alimentar existe a Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO). Ainda que sob as recentes bandeiras da globalização e do livre mercado, essas agências tenham aparentemente perdido sua importância inicial, poderão reassumir relevância diante de futuros dilemas para os quais a humanidade terá que necessariamente se preparar. |
Nessa altura já é possível presumir a segunda nova dinâmica do mercado de café. A semelhança do petróleo que possui sua produção concentrada entre os países da Península Arábica e de seu entorno, a concentração crescente nos países produtores de café passa também a vigorar nesse mercado. No passado, a geopolítica induziu decisões relevantes no mercado de café, sendo a mais emblemática delas a criação da Organização Internacional do Café (OIC), departamento vinculado às Nações Unidas.
Regulação dos Mercados e o Café Ao início dos anos 60, quando foi criada a OIC, mais de dois terços da população mundial residia no campo e havia uma disponibilidade de terras aparentemente "inesgotável". Atualmente o contexto é totalmente distinto. A maior parcela da população mundial é urbana; não há fronteiras agrícolas a serem ocupadas; há necessidade crescente de utilização das terras disponíveis para a ampliação da oferta de alimentos e, finalmente, os distúrbios climáticos tornaram muito mais complexo o empreendimento agrícola. |
Somando-se os dois elementos acima mencionados: concentração da produção com fechamento das fronteiras agrícolas para a expansão cafeeira, verifica-se que se pode engendrar uma nova dinâmica geopolítica para o café. Se no passado a orientação era pela contenção dos movimentos de esquerda nas comunidades rurais empobrecidas da África, Ásia e Ibero-América, agora se distingue por assentar-se na concentração do mercado. Porém, a resultante tem igual sinalização: a da revitalização de agências reguladoras, com um muito maior interesse dos países consumidores de participarem desses fóruns e até mesmo a possibilidade de se avançar na repactuação de novas cláusulas econômicas para esse mercado.
A previsão de longa duração para as elevadas cotações atuais do café tornará crescente a relevância das decisões de perfil geopolítico no mercado. Tal influência, como tudo em política, avançará na condição de processo sob intensa negociação. Enquanto isso não se concretizar, espera-se um mercado muito mais tenso, em que a volatilidade das cotações exibirá maiores amplitudes para qualquer período de análise (diária, semanal, mensal e anual).
Formam-se assim as duas novas fontes de dinâmica para o mercado de café: a) a revalorização da qualidade do café e sobre esse padrão de bebida a estruturação dos mecanismos formadores das cotações e b) a concentração crescente na ponta da oferta com repercussões crescentes de padrão próximo ao geopolítico com incremento da tensão tanto no mercado físico como no futuro.
Fatores complementares
A valorização cambial das moedas nacionais de diversos países produtores de café é um fator que complica o contexto de retomada do investimento nas lavouras. De forma generalizada observa-se essa tendência que não apenas se manteve como se aprofundou no transcurso de 2010.
Em países em que a produção de café está voltada para as transações com o exterior o problema da valorização cambial torna-se ainda mais desastroso. Diferentemente do Brasil, na Colômbia, por exemplo, apenas 10% a 15% do total do café produzido é destinado ao consumo interno, tornando o segmento muito mais exposto à problemática do câmbio valorizado. Tal situação diminui os ingressos dos cafeicultores, criando um ambiente de desmotivação com imediata redução da tecnologia empregada.
A cafeicultura instalada em regiões de montanha demanda urgentes inovações. Com limitadas condições para mecanização da colheita, os custos de produção desses sistemas produtivos resvalam na inviabilidade econômica. Ademais, a baixa produtividade da colheita nos sistemas produtivos em que se colhe por meio da "catação a dedo", torna quase que inviável a realização dessa modalidade de colheita mesmo sob contexto de salários/diárias bem pagos. A precarização da mão de obra rural, seja ela familiar ou assalariada não estimula que as próximas gerações permaneçam nessa atividade, preferindo buscar outras oportunidades, especialmente urbanas em que a possibilidade de melhoria do bem estar está mais adiantada. O contexto é de impasse e a demanda por inovações imediata para a manutenção competitiva desses sistemas produtivos.
Literatura citada
EUROMONITOR International, 2010. (www.euromonitor.com - para assinantes)
LOPES, F. Clima e China dão o tom no mercado de grãos. Valor Econômico, Agronegócios, 01/set./2010. B-13p.
RELATÓRIO sobre o mercado cafeeiro. Carta do Diretor Executivo. Organização Internacional do Café, julho de 2010. 6p. Disponível em: https://ico.heritage4.com/heritage/heridata/ico_pdf_docs/cy2009-10/documents/cmr-0710-p.pdf - consulta efetuada em 08/09/2010.
RELATÓRIO sobre o mercado cafeeiro. Carta do Diretor Executivo. Organização Internacional do Café, agosto de 2010. 8p. Disponível em: www.ico.org (consulta efetuada em 13/09/2010).
VEGRO, C.L.R. Como a crise mundial afeta as cotações do café. In: SANT´ANNA, A., FERRAZ, J.V & MENDES DA SILVA, M.L., org. AGRIANUAL, 2010. AgraFNP, out.2009. 217-220p.