Desdobramento da paralização dos caminhoneiros de maio passado redundou na adoção de rol de medidas atabalhoadas por parte do Governo Federal. Dentre elas a quase eliminação do Regime Especial de Reintegração de Valores Tributários para as Empresas Exportadoras (REINTEGRA).
Essa política foi instituída para que os produtos industriais e agroindustriais, que demandam produtos intermediários tributados no consumo intermediário e nas transferências internas, como, por exemplo, PIS e COFINS atribuído ao custo da energia elétrica utilizada no escritório da empresa ou, além daqueles, o IPI incidente na aquisição de embalagens, fossem restituídos por meio de alíquota estimada de 3% sobre o valor Free on Board (FOB) do embarque. Esse é o escopo da Portaria no 428 de 30/09/2014, que dispõe sobre a operacionalização do REINTEGRA1, criado pela Lei no 12.546 de 2011, visando ao fortalecimento da competitividade da indústria nacional2.
O percentual estabelecido em 3% para as restituições tributárias foi estimado por colegiado de técnicos fazendários e da receita. Inexiste documento público que evidencie como foi contabilizado esse percentual, todavia, por se tratar de ação que confere justiça tributária aos contribuintes (premissa que não se produz competitividade exportando tributos), foi bem acolhida pelos diversos segmentos da indústria brasileira.
Assim, os produtos manufaturados e semimanufaturados destinados à exportação recebiam crédito tributário de 3% ad valorem sobre os embarques FOB, sempre restituído com um trimestre de defasagem, ou seja, os créditos acumulados em um trimestre são calculados e restituídos no trimestre seguinte. Sob escalada inflacionária, como a vivenciada em 2015 e 2016, parte significativa do montante a ser restituído tinha seu valor corroído devido à defasagem temporal entre apuração e devolução.
Embora a legislação previsse a restituição de 3%, a operacionalização do REINTEGRA, na prática, utilizava a alíquota reduzida de 2% para a devolução do imposto recolhido, com igual defasagem entre a apuração e a restituição.
No caso da indústria de café solúvel brasileira, que reconhecidamente enfrenta acirrada competição com outros concorrentes internacionais e que exporta aproximadamente 90% da produção total, a restituição tributária prevista pelo REINTEGRA estornava montante suficiente para conferir viabilidade econômica do embarque.
Em 2017, considerando-se as 3,45 milhões de sacas de solúvel – em equivalente verde – exportadas pelo Brasil, auferiu-se receita cambial de US$ 636,88 milhões. Aplicando-se os 2% de REINTEGRA sobre esse montante, obtém-se US$ 12,74 milhões, que, a valores convertidos em reais, equivalem a aproximadamente R$ 50 milhões3!
Nos cinco primeiros meses de 2018, as exportações de café solúvel totalizaram 1,37 milhão de sacas – em equivalente verde –, representando valor de US$ 230,12 milhões. O REINTEGRA estimado, devido no primeiro trimestre do ano, foi de US$ 2,76 milhões, ou seja, mais de R$ 10,5 milhões atualizados pela cotação do dólar4.
Considerando o conteúdo do Decreto n 9.293 de 30 de maio de 2018, que recalcula a restituição ocorrida no primeiro trimestre com aplicação da nova alíquota fixada em 0,1% para o REINTEGRA, os R$ 10,50 milhões encolhem para apenas R$ 874,45 mil.
Sob a alíquota de 0,1%, a restituição devida pelos embarques de café solúvel ocorridos entre abril e maio de 2018 soma US$ 92,5 mil, ou seja, redução de US$ 1,75 milhão caso estivesse mantida a alíquota de 2% como antes operacionalizado pela política de restituição tributária.
Considerando os cinco meses do ano, a parca restituição de US$ 230,12 mil é absolutamente insuficiente para restituir os tributos incidentes sobre o consumo intermediário e transferência de produtos ao longo da cadeia. Assim, contrariando tudo que já se teorizou sobre estratégias bem sucedidas em comércio exterior, a indústria brasileira de solúvel, por completa miopia administrativa do Governo, passa a comercializar com o exterior, além de café, tributos!
Os embarques de qualquer tipo de produto finaliza um processo que pode ter sido iniciado seis meses antes. O planejamento orçamentário dos exportadores previa o estorno de 2% dos tributos recolhidos pela etapa manufatureira, assim, a revogação do REINTEGRA compromete todo o cálculo econômico dos exportadores. Em casos extremos, os exportadores terão que amargar prejuízos, conduzindo-os ao abandono dos mercados para os concorrentes, que não são poucos mundo afora.
A redução normativa para alíquota meramente simbólica ao REINTEGRA configura mais uma precisa ação rumo à ‘reprimarização’ da economia brasileira, isto é, o fortalecimento das exportações de café verde em detrimento à de produto manufaturado, de maior valor agregado e que, adicionalmente, gera empregos em território nacional e incrementa a demanda efetiva em outros segmentos da indústria.
Felizmente, as instituições públicas, apesar da profundidade da crise econômica e da política que assola o Brasil, mostram-se muito vigilantes. Ação judicial impetrada por exportadores capixabas questionou a modificação na legislação tributária que teve vigência imediata, desrespeitando a exigência constitucional de 90 dias entre publicação e sua efetiva aplicação. Ademais, o recálculo retroativo como estabelecido pelo Decreto no 9.393, de 30 de maio de 2018, foi absolutamente ilegal.
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1 Disponível em: https://normas.receita.fazenda.gov.br/sijut2consulta/link.actionidAto=56723&visao=anotado
2 Ver: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/lei/l12546.htm
3 Utilizou-se a taxa de conversão cambial de US$1,00=R$3,80.
4 Não é possível estimar quais das solubilizadoras conseguiram restituir os valores relativos ao recolhimento indevido do primeiro trimestre. Informações dos gestores tributários dessas empresas garantem que o estorno é efetuado logo ao primeiro mês o trimestre seguinte.
Celso Luis Rodrigues Vegro
Eng.Agr., MS, Pesquisador Científico do IEA
celvegro@iea.sp.gov.br