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IEA: Recomposição da renda, o principal desafio em 2007

POR NELSON BATISTA MARTIN

E CELSO LUIS RODRIGUES VEGRO

CELSO VEGRO

EM 15/02/2007

9 MIN DE LEITURA

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A cafeicultura brasileira é manifestamente pujante. A liderança na produção e na exportação, bem como a vice-posição no ranking do consumo, fez do Brasil há décadas o país produtor de destaque no cenário mundial da commodity. Entretanto, nos últimos cinco anos o rendimento econômico obtido pelos cafeicultores não foi suficiente para recompor suas finanças, ainda que, a partir do segundo semestre de 2004, as cotações do café tenham estado em franca ascensão.

Essa temática tem dominado o debate entre as lideranças rurais do segmento. As opiniões convergem no sentido de pontuar que os razoáveis preços pagos pelo produto ainda não foram suficientes para a recomposição da renda e, sobretudo, da capacidade de investimento dos cafeicultores em suas lavouras, estruturas de preparo e armazenamento. Sem falar da necessidade de pagarem as dívidas assumidas nos anos de 2001 a 2004, de elevados prejuízos.

Entre 2002 e 2006, as cotações nominais apresentaram recuperação dos valores pelos quais o produto foi transacionado, com exceção das cotações observadas em 2006. É que a grande safra brasileira de 2005/06 derrubou as cotações do produto, sobretudo entre abril e outubro de 2006, para nos três meses seguintes exibir forte recuperação (figura 1).


Fonte: Média das cotações mensais publicadas na Gazeta Mercantil.

Figura 1 - Preços do café em R$/sc (BM&F) e US$/sc (NY), 2002 a 2006.

Diante desse contexto de mercado, os cafeicultores que aplicam técnicas de cultivo tradicionais, associadas a pacotes tecnológicos menos intensivos, enfrentaram grande dificuldade em manter sua renda. Em geral, tais lavouras auferem rendimento médio próximo das 20 sacas, totalizando custo de produção superior aos R$ 235,00 por saca. Quase a metade desse total é consumida com mão-de-obra na colheita (tabela 1).


Fonte: Elaborado a partir de dados básicos cedidos pelo Eng. Agr. Consultor Guy de Carvalho, 2006.

Tabela 1 - Estimativas de custo de produção por sistema de produção empregado na cafeicultura (em R$).

Diante destes custos de produção, as possibilidades de auferir rendimento positivo somente ocorreram entre 2005 e 2006, amargando o cafeicultor resultados negativos para os outros três anos da série considerada.

No caso das lavouras mecanizadas (etapas de manejo e colheita), quando se trata de sistemas de baixa tecnologia (com ou sem irrigação), a redução do custo de colheita, alcançada com a adoção de máquinas e equipamentos para esse fim, foi insuficiente para totalizar custo inferior às cotações praticadas no mercado, pelo menos para o período de 2002 a 2004. Atuar visando apenas ao barateamento da colheita mostrou ser caminho insuficiente para alcançar resultados econômicos viáveis para a manutenção da exploração.

A propagada recomendação agronômica de se investir em tecnologia com vistas à obtenção de ganhos de produtividade e diminuição dos custos unitários foi seguida pelos cafeicultores cujas lavouras, além de mecanizadas, utilizam pacote considerado de alta tecnologia tanto no sistema de sequeiro quanto no irrigado. Nesses dois casos, com produtividades acima de 50 sacas por hectare, houve chance de rentabilidade favorável desde 2003, com ganhos bastante expressivos em 2004, 2005 e 2006. Todavia, sabe-se que essa não é a realidade da cafeicultura brasileira, consistindo mais na exceção do que na regra. Portanto, foi a minoria de cafeicultores que ultrapassou o ciclo de baixa com rentabilidade favorável.

Além da irrigação, o aumento de densidade de plantio é uma das tecnologias que de fato incrementam fortemente a produção. Talhões mecanizados podem constituir estandes de 3.500 a 4.000 plantas por hectare, sem qualquer alteração nas práticas de manejo adotadas para espaçamentos mais abertos. A maior densidade, além de incrementar a produção, promove pequeno auto-sombreamento, o que é fator benéfico nesse tempo de aquecimento global. A formação de lavouras mais adensadas, evidentemente, implica na adoção de práticas de podas com o intuito de reconstituir, periodicamente, a parte aérea da planta, no sentido de expandir seu potencial produtivo. Adensamento e podas são tecnologias que tendem a se firmar entre os cafeicultores realmente preocupados com a competitividade do seu negócio.

Outro aspecto que merece permanente vigilância dos cafeicultores é a estratégia de comercialização do produto. Ao final de 2005, o Governo Federal lançou uma nova família de títulos financeiros destinados ao financiamento dos agronegócios. Essa tentativa de inovação comercial pretende carrear para o setor recursos alocados nas mais diversas aplicações financeiras disponíveis no mercado (FIF´s, CDI, carteiras de ações, fundos de natureza previdenciária, etc.). O mercado tem procurado os novos papéis em ritmo acelerado, ainda que pesem dificuldades operacionais, como a base de incidência e o momento de recolhimento de PIS/COFINS, e a carência de um sistema de seguro e resseguro atuante que minimize o risco climático.

No caso do café, mais de R$ 500 milhões foram carreados para o segmento agrícola, injetando a necessária liquidez para a continuidade do negócio (tabela 2).


Fonte: Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA).

Tabela 2 - Evolução da emissão de títulos financeiros do agronegócio, maio de 2006 e janeiro de 2007.

A introdução das CPR´s (física e financeira) promoveu uma mudança estrutural no planejamento das atividades agrícolas, pois os cafeicultores passaram a atuar vendendo para produzir. Da mesma forma, os novos títulos e a possibilidade de estabelecimento de um preço de venda tornam os produtores menos refém do mercado e com maior margem de manobra para o estabelecimento de uma estratégia comercial viável do ponto de vista do alcance de rentabilidade positiva para sua exploração.

Solubilizadora brasileira, carta fora do baralho?

Os dados finais sobre as exportações brasileiras, em 2006, revelam o descompasso existente entre as transações internacionais envolvendo o café. A ausência de uma regulamentação para o drawback impinge ao País a chamada reprimarização das exportações, com forte crescimento dos embarques das matérias-primas não processadas e encolhimento dos negócios desses mesmos produtos semimanufaturados e manufaturados.

Na comparação entre 2005 e 2006, constata-se firme evolução no valor das exportações do grupo café e estimulantes, principalmente para os mercados da União Européia e dos Estados Unidos, com expansão de 13,11% e 14,80%, respectivamente. Tal incremento decorre, em grande medida, da melhoria das cotações observadas ao longo de 2006, mas também do aumento dos embarques dos produtos para os mencionados destinos (tabelas 3 e 4).


Fonte: Instituto de Economia Agrícola, 2007.

Tabela 3 - Exportações do agronegócio para a União Européia, 2005 e 2006.


Fonte: Instituto de Economia Agrícola, 2007.

Tabela 4 - Exportações do agronegócio para os Estados Unidos, 2005 e 2006.

Entretanto, quando os dados de 2006 são desagregados sob o ponto de vista do grau de agregação de valor do produto, percebe-se grande disparidade nos montantes capturados pelas transações. O café cru apresentou crescimento de 93,87% e de 74,13% para UE e Estados Unidos, respectivamente, enquanto o café manufaturado (solúvel) cresceu apenas 5,57% e 11,70%. Isto sinaliza, claramente, que o País abriu mão de agregar valor a seu produto em favor dos embarques de matérias-primas básicas a serem processadas em seus destinos.

No caso russo, houve aumentos tanto nas transações envolvendo grão cru quanto nas dos manufaturados. Nesse segundo caso, foi observado 76,39% de aumento no valor dos embarques. Essa expressiva participação do produto manufaturado decorre da existência de marca brasileira de solúvel líder naquele mercado, associada à explosiva recuperação econômica exibida pela Rússia nos últimos cinco anos (tabela 6).


Fonte: Instituto de Economia Agrícola, 2007.

Tabela 5 - Exportações do agronegócio para a Rússia, 2005 e 2006.

O caso argentino, assim como o russo, contraria a tendência de reprimarização da pauta brasileira, na medida em que também lá o produto manufaturado exibiu crescimento (embora menos que o total de manufaturados do agronegócio). Na Argentina, a proximidade do mercado e os acordos existentes para a transferência de produtos favorecem a exportação brasileira (tabela 5).


Fonte: Instituto de Economia Agrícola, 2007.

Tabela 6 - Exportações do agronegócio para a Argentina, 2005 e 2006.

Sem o drawback, a indústria do solúvel não crescerá nos mercados maduros. Ao contrário, continuará perdendo progressivamente a competitividade, estando condenada a ser substituída por outros fornecedores. Inclusive, indústrias brasileiras prontificaram-se a construir em parceria fábricas na Europa, nos Estados Unidos e na Ásia para atender a tais mercados. A depender apenas dos novos mercados e do Cone Sul, nossa outrora pujante indústria irá encolher, desperdiçando o País as imensas oportunidades de agregar valor e incrementar a renda do agronegócio café como um todo.

De qualquer forma, merece aplauso a constituição da Câmara de Comércio Brasil & Vietnã com vistas justamente a tratar prioritariamente das importações de café. Com tratativas já iniciadas, os embarques poderão ocorrer imediatamente quando a autorização regulamentada para a importação de café estiver valendo.

Crescente oferta de origem derruba cotações

A segunda maior queda nas cotações em janeiro, entre as diversas commodities agrícolas, foi a de café arábica no mercado de Nova Iorque. Mas a necessidade de os países produtores de arábica fazerem caixa elevou substancialmente as exportações, influenciando negativamente as cotações do produto. Já a menor disponibilidade do café robusta, na Bolsa de Londres, permitiu que as cotações se mantivessem em alta. Assim, o arábica, na Bolsa de Nova Iorque, acumulou perdas de 4,12%, no Contrato C, segunda posição, frente à média do mês anterior, contabilizando US$ 161,91 por saca. Esse valor representou mais de US$ 7,00/sc de perda nas cotações médias do mês. Todavia, para essa bolsa, no acumulado de doze meses, a média das cotações permaneceu praticamente estável, com apenas ligeiro aumento de 0,56% (figura 2).


Fonte: Elaborada a partir de dados da Gazeta Mercantil.

Figura 2 - Cotações médias mensais do café em diferentes mercados de futuros (segunda posição) e do OIC-Composto diário, janeiro de 2005 a janeiro de 2007.

Na Bolsa de Londres, as cotações do robusta em janeiro registraram alta de 3,95% frente a dezembro de 2006. Diferentemente do que se observou para o arábica, a evolução das cotações do robusta, no acumulado dos últimos doze meses, exibiu crescimento de 5,16%. No mercado de futuros da BM&F, bastante aderente ao que foi observado em Nova Iorque, as cotações recuaram 3,31% (segunda posição). Essa variação positiva, entretanto, foi incapaz de sustentar uma média das cotações nos últimos 12 meses, que cresceu apenas 0,52%. Finalmente, o indicador OIC-Composto diário caiu 2,03% em relação à média do índice de dezembro. Mas, no acumulado dos últimos 12 meses, ainda apresenta um crescimento positivo de 4,55%.

O diferencial entre as cotações observadas entre a BM&F e Nova Iorque caiu para US$ 13,74/sc, cerca de 12% inferior à média do mês anterior (figura 3).


Fonte: Elaborada a partir de dados da Gazeta Mercantil.

Figura 3. - Cotações mensais do café arábica, segunda posição, nos mercados de Nova Iorque e BM&F, 2006-07.

As cotações do arábica, contrato C, segunda posição, na Bolsa de Nova Iorque, exibiram grande volatilidade (mínimo de US$ 157,21/sc e máximo de US$ 169,38/sc), porém com tendência de queda durante todo o mês de janeiro (figura 4).


Fonte: Elaborada a partir de dados da Gazeta Mercantil.

Figura 4 - Cotações diárias na Bolsa de Nova Iorque, para café arábica, Contrato C, segunda posição, janeiro de 2007.

No mercado para a cafeicultura paulista, as cotações médias do arábica em janeiro (R$/sc) caíram 2,86%, em relação à média de dezembro de 2006, em função das perdas registradas pelo produto no mercado internacional. Mesmo diante dessa queda, no acumulado dos últimos 12 meses, houve declínio dos preços de 1,03% (figura 6).


Fonte: Elaborado a partir de dados do Instituto de Economia Agrícola.

Figura 6 - Preços médios mensais recebidos pelos produtores de café arábica, Estado de São Paulo, janeiro de 2004 a janeiro de 2007.

O comportamento médio anual dos preços recebidos pelos produtores paulistas, em valores correntes e em valores reais de 2007 (projetado), corrigidos pelo IPCA-IBGE, mostra que, após forte queda dos preços em 2001, em relação ao ano 2000, se inicia uma contínua recuperação. Apesar do tropeço em 2006, devido à grande safra brasileira, as perspectivas são de continuar a tendência de alta em 2007 (figura 7).


Fonte: Dados básicos do Instituto de Economia Agrícola.

Figura 7. Preços médios anuais recebidos pelos produtores paulistas pelo café arábica, período de 2000 a 2007.


Artigo publicado originalmente em www.iea.sp.gov.br e registrado na CCTC-IEA sob número HP-11/2007.

Publicado no CaféPoint mediante autorização dos autores.

NELSON BATISTA MARTIN

Engenheiro Agrônomo, MS em Economia - Gestão de negócios de recria-engorda em Lucélia, oeste do Estado de Sâo Paulo

CELSO LUIS RODRIGUES VEGRO

Eng. Agr., MS Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade. Pesquisador Científico VI do IEA-APTA/SAA-SP

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