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Café: uma catadupa de zurrapa (*)

POR CELSO LUIS RODRIGUES VEGRO

CELSO VEGRO

EM 03/12/2008

8 MIN DE LEITURA

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As cotações do café exibiram distintas evoluções em novembro. Para o arábica, prevaleceu a tendência de baixa das cotações, considerando as bolsas de Nova Iorque e BM&F-Bovespa que declinaram, respectivamente, 3,05% e 4,11%. Para o Índice de Preços Recebidos pelos Cafeicultores (IPR) do Instituto de Economia Agrícola (IEA-APTA/SAA), a queda foi de 4,68%. Contrariamente, o café robusta, cotado em Londres, acumulou no mês alta de 3,36% (tabela 1).

Tabela 1 - Média das cotações de novembro de 2008 e variações acumuladas


Fonte: elaborado a partir de dados da Gazeta Mercantil1

As variações acumuladas reproduziram as diferentes trajetórias constatadas para o mês. O pior desempenho foi contabilizado pelos preços recebidos pelos cafeicultores paulistas, com queda de 18,46% no ano e de 24,32% nos últimos doze meses (Dez.07 - Nov.08). A acentuada queda dos preços nas praças paulistas é resultado de dois ajustes concomitantes: a) queda em dólar da commodity; e b) reversão da trajetória de valorização do real, com desvalorização acumulada de 26,37% entre setembro e novembro (câmbio PTAX médio do mês).

Os preços recebidos em reais pelos cafeicultores paulistas, em 2008, mostram que, ao longo de todo o ano, houve pequena oscilação, com média de R$ 252,00 a saca (tipo 6 bebida dura sem o desconto o FUNRURAL de 2,5%). Desde o primeiro quadrimestre de 2005, os cafeicultores brasileiros não conhecem o que seja preços remuneradores para o seu produto (figura 1).

Figura 1 - Cotações médias mensais do café arábica nas cinco principais praças paulistas, janeiro de 2005 a novembro de 2008


Fonte: Elaborada a partir de dados do Instituto de Economia Agrícola (2008)2

A perda de referência para a formação dos preços domésticos repercutiu na captura de margens mais polpudas para os exportadores. O diferencial BM&F-Bovespa/Nova Iorque, que se situava em US$ 9,48/sc em setembro, saltou para mais de US$ 20,19/sc em novembro. Assim, somando-se os dois efeitos (aumento do diferencial e desvalorização do real), os exportadores são os poucos agentes dessa cadeia, senão os únicos, que ainda conseguem manter uma boa remuneração no serviço de intermediação das transações.

Qualidade aceitável fora do lar: uma quase exceção

"Mais tarde o encontrei num café zurrapa no Largo da Lapa.."
(Ary Barroso, Camisa Amarela)


Qualquer bebida de má-qualidade pode ser denominada de zurrapa. Todavia, situando-se em um país em que o café conta com mais de 280 anos de história, é de se estranhar que inexista um léxico gramatical para denominar especificamente um café ruim. Poucos escritores se arriscam a criar novas palavras (quanto mais agrônomos), mas para um café ruim é preciso uma palavra própria. Zurrapa, além de se caracterizar mais propriamente um vinho oxidado, pertence ao universo lusitano, também lá em desuso. Valendo-me de imensa ousadia, proponho a nova palavra marzanha, que pertence ao amarico (língua atual da Etiópia), tendo por significado a palavra venenosa. Assim, pela expressão afrontada que fazem os degustadores, provar um café ruim é ingerir uma bebida marzanha3.

Apreciar café fora do lar, especialmente o coado, em algum estabelecimento que serve a bebida, nos propicia os mais dolorosos aprendizados em marzanha. Em pesquisa conduzida por equipe do IEA, os resultados obtidos para o coado foram devastadores. Em dois terços dos locais que servem essa preparação, a bebida foi considerada abaixo do mínimo aceitável, com notas médias abaixo de 4,0 na classificação do ITAL (Instituto de Tecnologia de Alimentos). Assim, a possibilidade de degustar um cafezinho que simplesmente preste é quase que uma exceção na cidade de São Paulo. Levando-se em conta que esses resultados se referem à qualidade do produto utilizado e não à qualidade final da bebida, o efeito poderá ser ainda pior, pois um operador destreinado pode estragar inclusive um bom pó de café.

Tampouco foram alentadores os resultados da análise sensorial obtidos para o preparo expresso. Houve uma concentração nos padrões tradicional e superior com, respectivamente, 10% e 11,3%. Encontrou-se, apenas, 2,3% de estabelecimentos que oferecem a bebida de qualidade sensorial abaixo do aceitável, fato que prejudica sobremaneira sua reputação. Os especialistas são unânimes em apontar a elevada qualidade do produto como item essencial no resultado final da xícara. Foi inexpressivo o percentual de participação dos cafés considerados gourmet no preparo do expresso. Por isso são ainda amplas as oportunidades de novos negócios focalizados nesse padrão de qualidade (tabela 2).

Tabela 2 - Tipo de produto e qualidade sensorial da bebida, por tipo de preparo, Cidade de São Paulo, 2006


Fonte: Instituto de Economia Agrícola

Sepultar a oferta de marzanha, para os apreciadores leigos em qualidade de café, consiste no principal desafio do agronegócio para os próximos anos, tendo as casas especializadas um papel crucial nesse processo. Que me perdoem os defensores da certificação, sustentabilidade, responsabilidade sócio-ambiental, temáticas todas de extrema relevância na atualidade. O saudoso Dr. Ernesto Illy tinha imensa razão ao afirmar que os pretos, verdes e ardidos deveriam ser banidos do mercado, não somente no Brasil mas também no mundo cafeeiro como um todo, pois esse produto é a base para a preparação da detestável marzanha, da qual eu quero ficar bem distante. Sem qualquer pretensão vanguardista, que outros me sigam..

Crise econômica e recapitalização bancária

"Nem só de pão vive o homem, vive de pão e de crédito.."
(Machado de Assis, A Semana)


Um elemento fundamental tem sido pouco explorado no transcurso da atual crise financeira internacional. Trata-se da alavancagem, cujo conceito descreve o número de vezes que a somatória dos depósitos (majoritariamente os à vista) pode ser emprestada para diversos tipos de tomadores. É a alavancagem bancária que faz expandir o crédito a escalas ampliadas. Ao longo do período pré-crise, o nível de alavancagem dos bancos comerciais estadunidenses alcançava patamares acima de 20 vezes, enquanto seus bancos de investimento atingiam patamares até o dobro do praticado pelos primeiros. No contexto brasileiro, estima-se que a alavancagem média alcance 12 vezes o patrimônio líquido dos bancos comerciais.

Percebendo-se essa dinâmica, fica mais inteligível compreender porque o epicentro da crise financeira se concentra entre os bancos dos Estados Unidos. Quanto maior a política de alavancagem praticada, mais restrita se torna a margem de manobra para fazer frente a surtos de inadimplência. A oferta desbragada de crédito imobiliário para tomadores sem a mínima capacidade de pagamento, bem como seu repasse sob a forma de títulos de segunda linha estruturados para o restante do mercado financeiro global, transformou o risco apenas local em risco sistêmico. Tornou-se, então, o estopim para o surto de inadimplemento e colapso dos bancos e outras instituições financeiras com carteiras alavancadas por esses papéis não honrados.

O diagnóstico de que a alavancagem excessiva constitui o cerne do desmantelamento das instituições financeiras introduziu, imediatamente, uma drástica revisão nos patamares da política de alavancagem, trazendo-a para níveis mais seguros. Concomitantemente, ocorreu uma perda generalizada de confiança sobre a solidez dessas instituições, vivenciando-se em alguns casos, inclusive, corridas para saque dos depósitos. Somados os fenômenos, o volume de crédito se encolheu a proporções muito inferiores ao existente no período pré-crise.

O aporte de recursos governamentais surge como único caminho na recuperação do patrimônio líquido dos bancos, evitando-se com isso o efeito dominó que a quebra de uma instituição pudesse criar. Mitigar a crise em seu começo é a garantia de que a promissória firmada será resgatada em mais breve prazo. Entretanto, o dinheiro público, normalmente carimbado, concede exígua margem de manobra e pouca ou nenhuma chance de alavancagem, repercutindo em manutenção das dificuldades de crédito para os tomadores, particularmente os que dele precisam para concretizar negócios.

Dessa breve análise e pensando em termos prospectivos, é preciso destinar parte dos recursos do FUNCAFÉ para o incremento das exportações do produto. A decisão política mais ajuizada para o momento seria aquela que direcionasse o maior volume de crédito possível para a exportação, de forma que nenhuma saca de café, produzida no país, ficasse sem ser embarcada por carência de crédito aos exportadores, cooperativas e torrefadores. Mais uma vez nossos valentes gestores do agronegócio café omitem-se diante dos fatos. Pior para nós.

Refazendo contas4

No mercado de café não existem inocentes; ao contrário, somente interesses patentes. A comissão reuniu-se5, os trabalhos foram concluídos e, principalmente, polpudas diárias foram pagas nos bons hotéis da esplanada. Está para ser publicado o novo regulamento técnico para Café Torrado e Moído. Após sua publicação, será concedido prazo de 180 dias para que as agroindústrias a ele se ajustem. Como já se havia previsto, o limite para 5% de umidade foi chancelado. Uma vez que a Associação Brasileira da Indústria de Café (Abic) insiste sempre em destacar o crescimento da demanda no mercado interno, nada mais justo que precificar o volume de água vendida a preço de café. Afinal, estimar o montante com o qual foram presenteados os torrefadores é de interesse de todo o agronegócio.

Algumas premissas do novo regulamento são fundamentais:

a) suprimento do mercado por marcas com estratégia comercial de oferecer o mais baixo preço representa 75% do mercado e percentual estimado de água de 5% no produto final (almofada e vácuo);

b) suprimento do mercado por marcas de café com diferenciais de qualidade e segmentação representa 20% do mercado e percentual estimado de água de 3% no produto final; e

c) suprimento do mercado por marcas de café torrado em grão e sache e produtos gourmet representa 5% do mercado e percentual estimado de água de 1% no produto final.

A estimativa de consumo interno para 2008, de 18,1 milhões de sacas processadas pela indústria segundo a Abic, permite o seguinte cálculo:

a) lambujem capturada no mercado de produto de baixo preço = R$ 136 milhões;
b) lambujem capturada no mercado de produto diferenciado = R$ 27,5 milhões; e
c) lambujem capturada no mercado de produto gourmet = R$ 2,715 milhões.

Feitas as contas, os apreciadores de café transferiram para o bolso dos torrefadores algo como R$ 166 milhões. Ademais, os cafeicultores deixam de comercializar no mercado interno algo como 700 mil sacas de café verde, que foram substituídas por água no produto final. A mim compete apenas criticar o regulamento. Pois, então, que venha!

(*) Catadupa: queda de água corrente a grande altura e com intensidade, catarata, queda d´água. Zurrapa: a) vinho avinagrado ou de má qualidade e b) qualquer bebida ruim, ordinária, reles. (Fonte: Dicionário Caldas Aulete).

O autor agradece ao técnico de apoio Gilberto Bernardi pela colaboração na coleta e sistematização dos dados básicos e ao prof. Felix Schouchana pelas sugestões apresentadas.

1 Disponível em www.gazetamercantil.com.br (para assinantes).
2 Estudo disponível em www.iea.sp.gov.br. Ver publicações, Revista Informações Econômicas, números anteriores, Nov. 2007.
3Assim como a Etiópia nos proveu com o mais nobre licor, o café gourmet, também ofereceu a mais vil das bebidas que é o café ruim ou, desde já, a marzanha.
4 Para melhor compreensão do assunto sugere-se a leitura de "Café: por um confisco às avessas", publicado em 09/05/2008 no CaféPoint.
5 Detalhes adicionais sobre o cálculo efetuado: Consulta do café torrado e moído termina quinta-feira, artigo publicado no CaféPoint em setembro de 2008.

CELSO LUIS RODRIGUES VEGRO

Eng. Agr., MS Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade. Pesquisador Científico VI do IEA-APTA/SAA-SP

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CELSO LUIS RODRIGUES VEGRO

SÃO PAULO - SÃO PAULO - PESQUISA/ENSINO

EM 10/12/2008

Prezado Roberto,

Fico surpreso em receber uma carta de Cacoal. Ainda não conheço a cafeicultura rondoense o que é uma pena, pois certamente após encontrá-la voltaria com a mente extravasando novos artigos.

A baixa remuneração pela esforço do cafeicultor em obter qualidade já apresenta mudanças na cafeicultura paulista e paranense, especialmente entre aqueles que investiram em descascar seu café. Em contatos que efetuei pude constatar que ocorreu uma sensível melhoria de reputação desses cafeicultores que não mais mandam suas amostras para os compradores, mas ao contrário, recebe filas deles a procura de seu produto (aumenta seu poder de barganha). A garantia de venda com prêmio e o esforço de melhoria contínua tornam esses cafeicultores melhores clientes da rede bancária que os apoiam em novos desenvolvimentos.

Está instaurado o círculo virtuoso que tornará esses cafeicultores verdadeiros empresários, abandonando definitivamente a imagem de simples fazendeiros.
Obrigado pela manifestação de contentamento com o artigo. Desde ai, continue torcendo para que em meus próximos artigos além da tradicional retórica você possa também enxergar um homem com sua particular forma de perceber esse mundo.

Abçs
Celso Vegro
CELSO LUIS RODRIGUES VEGRO

SÃO PAULO - SÃO PAULO - PESQUISA/ENSINO

EM 10/12/2008

Prezado Sérgio,

O chamado "problema do café no Brasil" é de complexidade ímpar. A baixa qualidade ofertada e a complacência empresarial em referendar o ganho fácil são irmãs siamesas de uma sobejada anarquia de mercado em que o Estado apenas sufraga os interesses que carecem de lisura.

Obrigado pelo incentivo. Espero continuar trazendo as informações suficientes tanto para as suas decisões como para as de outrem.

Abçs
Celso

ROBERTO WAGNER TRAVENÇOLO

CACOAL - RONDÔNIA

EM 09/12/2008

Olá Celso, parabéns pela matéria.

Seria gratificante tomar um cafezinho de primeira qualidade em qualquer estabelecimento que ofereça a bebida, pricipalmente por sermos o maior produtor do mundo. Por que os compradores/torradores não pagam uma diferença maior entre um café bom e um de menor qualidade para que seja interessante para o produtor melhorar a qualidade do café?

Hoje no mercado nacional paga-se uma diferença de R$2,00 para cada 100 defeitos (no conillon) e de R$2,00 a R$4,00 para o arábica.

Abraço.
SERGIO VENUTO

RESENDE - RIO DE JANEIRO

EM 08/12/2008

Oi, Celso. Muito bom ver uma abordagem sobre qualidade. Infelizmente, carece-nos a capacidade de analisar a história do desenvolvimento dos produtos no mercado para termos uma noção mínima de que qualidade é essencial para nos tornarmos lucrativos e desenvolvidos, isto é, para que toda a cadeia produtiva se beneficie, e não só alguns poucos.

Definir o que é mercado de qualidade, ainda que pareça óbvio, é fundamental para mostrar aos que nele atuam que qualidade não é fazer melhor do que já se faz, mas sim muito melhor do que é feito, com base em parâmetros mais do que mostrado em várias situações.

Enquanto alguns evoluem (ex: Colômbia, com o café verde de qualidade , a Itália, com os torrados), nós nos preocupamos em garantir um pequeno ganho como este do teor de umidade permitida. Nós nos preocupamos com o "inimigo" achocolatado, como foi dito pela ABIC em recente artigo.

Espero que continue trazendo à tona discussões fundamentais para que ainda tenhamos a mínima esperança de nos tornamos primeiro-mundo no mercado de cafés (ser o maior produtor não significa muita coisa se não soubermos atrelar ao volume algum diferencial estratégico).

Abraços
CELSO LUIS RODRIGUES VEGRO

SÃO PAULO - SÃO PAULO - PESQUISA/ENSINO

EM 04/12/2008

Prezado Jerri,

Fico satisfeito que minhas idéias ecoem entre os provadores, essa valente estirpe que, tanto quanto eu, se lamenta ao se deparar com marzanha para todos os lados que se vire.
JERRI ANTONIO SANTO

JOÃO PESSOA - PARAIBA - PROVA/ESPECIALISTA EM QUALIDADE DE CAFÉ

EM 03/12/2008

Parabéns pela matéria publicada, acho que estamos no caminho certo: café com qualidade.

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