Nas bolsas em que o café é cotado, em junho de 2008, foram observados movimentos convergentes com ganhos nas cotações médias para todas as situações. Em Nova Iorque (contrato C em segunda posição), comparando-se a média das cotações de maio com as observadas em junho, o ganho foi de 4,43%, tendo as cotações saltado de US$ 179,59/sc para US$ 187,56/sc. Na BM&F-Bovespa, onde foram registrados ganhos ainda mais acentuados, o incremento nas cotações médias foi da ordem de 5,08% no mês. Entretanto, para ambos os casos, no ano registram-se perdas acumuladas de -8,63% e de -6,97% para as bolsas de Nova Iorque e BM&F-Bovespa, respectivamente. Ganho menos acentuado foi observado na Bolsa de Londres (contratos para a tonelada de café robusta), em que a elevação das cotações médias foi de apenas 2,43% no mês de junho. Porém, para esses contratos as perdas acumuladas no ano são bastante inferiores as outras duas bolsas, com apenas -3,83%. Refletindo tais movimentos ascendentes, o indicador composto da OIC fechou junho com ganho de 2,78%, mas perda acumulada em 2008 da ordem de -6,04%. O temor de que ocorra alguma penetração de massas polares nos cinturões cafeeiros brasileiros foi o fator que mais contribuiu para a escalada de preços constatada. Diante dos poucos negócios registrados nas principais praças, os preços recebidos pelos cafeicultores ganharam maior impulso, ocorrendo situações em que superaram inclusive a cotação do dia registrada para o mercado futuro da BM&F-Bovespa. Aparentemente, o contexto de futura escassez de oferta passa a pautar a realidade do mercado dos próximos meses (Figura 1).
Figura 1 - Cotações médias mensais do café em diferentes mercados de futuros (segunda posição) e do OIC-Composto diário, janeiro de 2004 a junho de 2008
Fonte: Elaborada a partir de dados da Gazeta Mercantil2.
2 - A hora e a vez do Sr. Café
Começou a valer a chamada "Lei Seca3", explicando, trata-se da tolerância zero à ingestão de bebidas etílicas para aqueles que conduzem veículos. Pesadas multas, apreensão do veículo e detenção são as penalidades para aqueles que forem flagrados conduzindo sob o efeito do álcool. Entretanto, será que desse fato poderiam resultar oportunidades para o mercado de consumo de café, congêneres e sucedâneos? Não há dúvidas de que sim!
Um conjunto grande de reflexos da "Lei Seca" pode ser relacionado. Desde efeitos sobre os estabelecimentos especializados na bebida (cafeterias e quiosques); sobre os estabelecimentos do ramo da alimentação, mas não especializados em café (bares, lanchonetes, restaurantes, doçarias, sorveterias, etc..) até sobre os outros estabelecimentos comerciais e de serviços (revenda de automóveis, bancos, clínicas e laboratórios, cabeleireiro, etc..), além de significativas modificações nos hábitos de consumo dentro e fora do lar.
Nos estabelecimentos especializados na oferta de café, poderá ser percebido um aumento da procura pela bebida, uma vez que nela se constitui a alternativa mais palpável às espirituosas. Os tradicionais happy-hour, não mais exclusividade da metade vespertina das sextas-feiras, poderão facilmente ser transferidos dos bares com mesas à calçada para o interior das sóbrias cafeterias, pois essas últimas, por serem espaços talhados para a convivência social, a ingesta do café e congêneres elevam as conversas para requintados patamares. Esforço de marketing é verdadeiramente necessário para que essa alternativa se firme no âmbito das escolhas dos atuais apreciadores de copos etílicos.
Para os estabelecimento do ramo da alimentação é de se esperar uma corrida visando o incremento das alternativas frente à impossibilidade de consumo das bebidas alcoólicas. Disso resultará um aumento do interesse em profissionalização do serviço de café, com a introdução do tipo expresso, a especialização do barista na execução do preparo da bebida; a seleção de grãos gourmet ou superior para o serviço da bebida e ainda a introdução das cartas de café para diversificação das origens, preparações e combinações não etílicas. No limite, esses estabelecimentos demandarão alguma repaginação de desenho, propiciando ambientes em que prevaleça a frugalidade, a simplicidade e que valorizem o ócio criativo. Cresce, portanto, o apelo para que nos estabelecimentos sejam agregados serviços, como o acesso à web, com decoração de cunho moderno e jovial.
Algumas sutis mudanças para os outros estabelecimentos poderão ser percebidas. A mais importante delas, que já está em processo, é o sepultamento definitivo do serviço de café enquanto mera cortesia da casa. Tal mudança induzirá a maior procura por produto que resulte em melhor qualidade sensorial após o preparo. No ambiente de trabalho, em que aproximadamente são consumidas 35% das xícaras no segmento fora do lar, espera-se que a bebida seja ainda mais valorizada na mitigação das estressantes jornadas laborais.
Quanto às mudanças nos hábitos e preferências dos consumidores (de etílicas e de café), dois momentos devem ser considerados. No ambiente doméstico haverá substituição dos vinhos e champanhes pelo café nas recepções a amigos e datas festivas do calendário (ano novo; sexta-feira da Paixão, Páscoa e natal). Aqui novamente surge o espaço para a substituição do bom vinho pelo exímio café à mesa dos convivas. Certo é que mudança cultural não se faz por meio de saltos, mas por lento e contínuo processo, bastando para tanto que essa troca seja de forma plausível apresentada, e nisso as entidades do segmento cumprem imenso papel.
Fora dos domicílios, como já mencionado nos comentários sobre a dinâmica das cafeterias, deverá ocorrer maior procura por bebidas não etílicas à base de café, assim como outras bebidas concorrentes (quentes e frias). Podemos imaginar uma nova onda de valorização dos espaços em que se aprecia café, pois, como bem dizem as campanhas promocionais da ABIC, o café aproxima, o café liga e é justamente disso que mais carece o residente nos grandes centros metropolitanos.
Diante dessas considerações, quais seriam as estratégias de maior êxito por parte dos estabelecimentos em que ocorre a oferta de café? Em primeiro lugar deveriam experimentar a introdução de outras formas de preparação da bebida, como as bebidas lácteas à base de café e o iced coffee. Ademais, deveriam avaliar a possibilidade de estender o funcionamento para as 24 horas do dia e promover uma desconcentração do menu alicerçado nos tira-gostos e pão de queijo, introduzindo pratos requintados e especialidades em doces e salgados. Ademais, há que se esperar um aumento do ticket médio desembolsado por cada cliente, o que não somente agrega valor ao negócio como permite que os necessários investimentos na repaginação do espaço, na modernização dos equipamentos e em treinamento de pessoal logrem êxito.
Finalizando, na atualidade, a reglamurização das cafeterias poderá ganhar ímpeto ainda maior desde que o segmento se empenhe em manter a oferta de produtos de alta qualidade (cafés gourmet, superiores, especiais) e lidere os esforços em publicidade que motive a troca de hábito que a nova legislação induz.
3 - Três longos anos apenas marcando o passo
No artigo de conjuntura sobre o mercado de café intitulado "Café: por um confisco às avessas", defendeu-se a tese que o momento exige políticas capazes de compensar a mega valorização cambial da moeda brasileira. Se no passado o FUNCAFE estruturou-se confiscando percentual do valor da conversão cambial em momento que a moeda brasileira da época rumava para a desvalorização, nada mais coerente que agora se inverta a roda e surjam as compensações para a atual situação cambial, possivelmente, não pela criação de uma taxa de câmbio diferente do restante da economia para o setor, mas sim por meio da criação de políticas que constituam uma espécie de rede de proteção para a cafeicultura nacional, em que o PEPRO, desde que corretamente desenhado, possui lugar garantido.
Para legitimar tal posicionamento apresenta-se o cálculo da taxa de crescimento geométrico da conversão cambial das respectivas moedas: real brasileiro, peso colombiano, dong vietnamita e o colon costarriquenho (esse último representando a política cambial de toda a América Central, muito similar em sua essência), para selecionar alguns importantes países competidores do Brasil no mercado internacional de café. Os resultados são no mínimo alarmantes, especialmente, para os cafeicultores e gestores governamentais da política cafeeira.
Considerando o período 2000-2008, temos que as moedas: vietnamita e costarriquenha exibem trajetória de desvalorização, ou seja, apreciação frente ao dólar americano, enquanto as moedas: brasileira e colombiana, face às grandes oscilações para cima e para baixo no período, não apresentam tendência definida no período (estatisticamente caracterizado pelo baixo r2) (Tabela 1).
Todavia, ao tomarem-se os sub-períodos, percebe-se de imediato que a moeda brasileira é a que mais acentuadamente ganha valor frente ao dólar com taxa geométrica de crescimento de -3,03% a.a, muito acima de trajetória similar da moeda colombiana com -1,66% a.a. A comparação com os demais concorrentes selecionados patenteia a desvantagem competitiva dos cafeicultores brasileiros, pois a moeda vietnamita mantém tendência de desvalorização e a costarriquenha (que assim como o resto da América Central acompanha o FED estadunidense), mantém sua trajetória de desvalorização frente ao dólar. Os cafeicultores de arábica na Costa Rica e de robusta no Vietnã, no atual momento, vivenciam momento de forte entesouramento, ao contrário de seus concorrentes brasileiros e colombianos, que a cada dia vêem minguarem suas receitas pela paridade cambial que passa a imprimir uma competitividade derivada da evolução das diferentes taxas de conversão cambial entre os países produtores da rubiácea selecionados.
TABELA 1 - Cálculo da Taxa de Crescimento Geométrica das Conversões Cambiais, Brasil, Colômbia, Vietnã e Costa Rica, jan.2000 a abr.2008
Fonte: Elaborada a partir de dados básicos do Banco Central do Brasil4.
Será preciso a dedicação de toda a inteligência cafeeira que se possa mobilizar no País visando mitigar o impacto da valorização cambial. O imenso esforço agronômico conduzido no sentido de incrementar a produtividade física em uma saca a cada três safras, que vem ocorrendo no Brasil a mais de uma década, fortalece a nossa competitividade real e trajetória que ainda mostrará seu acerto no mundo cafeeiro. Todavia, tais ganhos na produtividade dos fatores empregados (terra, trabalho e capital) não resultaram em incremento efetivo da rentabilidade da cultura, pois depois de efetuada a conversão cambial, em alguns países há mais dinheiro para os cafeicultores (Vietnã e Costa Rica) e noutros muito menos (Brasil e Colômbia). Assim, o subtítulo deste tópico (marcando passo), permanecerá pautando a realidade de baixa rentabilidade dos cafeicultores de arábica para essa e quiçá próximas safras.
1 O autor agradece a colaboração do Técnico de Apoio à Pesquisa, Gilberto Bernardi, na sistematização do banco de dados e também aos comentários e sugestões do Prof. Felix Schouchana e do colega pesquisador Dr. Francisco Alberto Pino.
2 Dados básicos da Gazeta Mercantil.
3 nova lei 11.705, 19/06/2008 que altera a Lei no 9.503, de 23 de setembro de 1997, que ´institui o Código de Trânsito Brasileiro´, e a Lei no 9.294, de 15 de julho de 1996, que dispõe sobre as restrições ao uso e à propaganda de produtos fumígeros, bebidas alcoólicas, medicamentos, terapias e defensivos agrícolas, nos termos do § 4o do art. 220 da Constituição Federal, para inibir o consumo de bebida alcoólica por condutor de veículo automotor, e dá outras providências. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2008/Lei/L11705.htm
4 Disponível em www.bacen.gov.br.