Em novembro as cotações do café, nas principais bolsas de valores em que o produto é transacionado, exibiram comportamentos diferenciados. Enquanto para o arábica em Nova Iorque e na BM&F foi verificada queda nas cotações, em Londres onde é negociado o robusta, as cotações reverteram a queda observada em outubro. Em Nova Iorque, por exemplo, o Contrato C - segunda posição, recuou US$ 8,89/sc no mês (perda de 5,04%), diminuindo de US$ 176,36/sc em outubro para US$ 167,47/sc em novembro (Figura 1). Fundamentalmente, esse declínio nas cotações foi conseqüência imediata do retorno das precipitações nos principais cinturões cafeeiros do país, castigados que foram por cerca de 70 dias sem chuvas sob elevadas temperaturas que repercutiram em consideráveis déficits hídricos. Os agentes de mercado, aproveitando-se da volta das chuvas, se posicionaram na realização lucros, confiantes de que a safra brasileira alcançaria patamar capaz de sustentar as necessidades mundiais da commodity.
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Figura 1 - Cotações médias mensais do café em diferentes mercados de futuros (segunda posição) e do OIC-Composto diário, janeiro de 2004 a novembro de 2007
Fonte: Elaborada a partir de dados da Gazeta Mercantil2.
Como sempre esperado, na BM&F observou-se movimentação similar à verificada em Nova Iorque. O declínio das cotações nessa bolsa foi de US$ 4,27/sc, portanto, menos que a metade daquilo que caiu em Nova Iorque. A maior resistência ao declínio das cotações na bolsa paulista reflete a grande procura pelo produto, tanto por parte dos exportadores/traders pressionados pelo cumprimento de contratos de exportação como pelos torrefadores que constatam grande crescimento relativo no consumo interno. Ambos fatores, somados, garantiram maior sustentação para as cotações na BM&F. O diferencial entre as bolsas que era de US$ 12,12/sc, em função dessa pressão de procura doméstica, reduziu-se para apenas US$ 7,58/sc, o menor observado neste ano. Tal diminuição repercute sobre as margens dos exportadores que, momentaneamente, perdem rentabilidade no negócio.
Os anúncios de melhores colheitas tanto no Vietnã como na Indonésia não arrefeceram as cotações do robusta em Londres, que exibiram incremento de 3,25%. Tal fenômeno pode ser, em parte, conseqüência do aumento do consumo de café solúvel, principalmente no Leste Europeu. Ademais, a escalada do consumo brasileiro que, para atendê-lo, vê-se obrigado a processar internamente de 10 a 11 milhões de sacas de conillon, sem deixar qualquer resíduo para exportação desse tipo de café.
Excetuando-se as cotações para o robusta na bolsa de Londres, não foram observadas grandes variações entre a menor e a maior cotação, revelando ambiente em que a especulação com o produto esteve algo arrefecida (Tabela 1). Tal fato é exceção, uma vez que o café, dentre as commodities agropecuárias listadas em bolsa, é a que maior volatilidade exibe, resultado, em parte, do carregamento de contratos pelos fundos (investimento e pensão) que desempenham relevante papel nas acentuadas variações mensais das cotações.
Tabela 1 - Amplitude de variação das cotações nas diferentes bolsas, nov. 2007
Em São Paulo, os preços recebidos pelos cafeicultores apresentaram ligeiro declínio frente a outubro, cotação essa que vinha se mantendo nesse patamar desde agosto (ao redor dos R$ 248,00/sc) (Figura 2). Como já havíamos previsto, a política pública que estabeleceu o Prêmio Equalizador Pago ao Produtor de Café (PEPRO), tem efetivamente funcionado como um teto para as cotações que, assim que atingem os R$ 245,00 a R$ 255,00/sc, iniciam movimento de queda pela corrida dos poucos cafeicultores beneficiados no exercício do pagamento do prêmio (R$ 39,00/sc entregue).
Figura 2 - Preços médios mensais recebidos pelos produtores de café arábica, Estado de São Paulo, janeiro de 2004 a novembro de 2007
Fonte: Elaborado a partir de dados do Instituto de Economia Agrícola.
2 - Impactos da desaceleração do crescimento estadunidense sobre o consumo de café
Os seguidos pronunciamentos dos gestores das principais instituições financeiras estadunidenses, dão conta que a inadimplência da carteira de empréstimos imobiliários é altíssima. O governo daquele país vem gerindo sua política econômica com especial zelo quanto à saúde financeira das instituições que carregam tais hipotecas e outros títulos nelas originados. Estimativas conservadoras apontam para estoque de inadimplência nos financiamentos imobiliários próximos a meio trilhão de dólares.
O atraso no pagamento das amortizações dos financiamentos imobiliários irá obrigar as famílias endividadas (a maior parte naquele país), a repensarem seus padrões de consumo visando criar excedentes financeiros capazes fazer frente ao assédio dos bancos em seu périplo em renegociar contratos visando recuperar ao menos parte das perdas já contabilizadas. Inevitavelmente, o corte nas despesas familiares alcançará o segmento dos alimentos e bebidas e muito provavelmente, também, os gastos com café (dentro, mas sobretudo fora-do-lar).
A inadimplência imobiliária repercute sobre o mercado imobiliário. O valor atual dos imóveis (preços de venda e também os aluguéis) já exibe forte diminuição. Ademais, os agentes financeiros tornaram-se muito mais seletivos na concessão de tais empréstimos. Portanto, o expediente de contrair uma hipoteca para levantar dinheiro a custos convenientes, perde sua atratividade e dificulta ainda mais o saneamento das finanças das famílias endividadas com empréstimos de outras naturezas.
Para se somar a esse cenário pouco favorável ao consumo, a escalada nas cotações do petróleo roubará significativo percentual de crescimento do PIB estadunidense2. Estimativa elaborada pela Standard & Poor´s concluiu que a cada US$ 10 de incremento nas cotações do barril de petróleo, ocorre um recuo proporcional de 0,25% na taxa de crescimento da economia daquele país. Assumindo essa referência, pode-se inferir que para 2008, pode-se esperar diminuição do PIB estadunidense próxima dos 0,13% em função da escalada das cotações do petróleo pois, a cotação média do tipo Brent em 2006 foi de US$ 65,39 avançando para US$ 71,00 na média de janeiro a novembro de 20073.
Para contrabalançar tais tendências negativas para a economia dos EUA, deve-se recordar que no próximo ano ocorrerão eleições presidenciais. Assim, deve-se suspeitar que o atual governo daquele país possua algum plano alternativo para impedir que a economia entre em recessão, pois tal fato seria eleitoralmente prejudicial para o partido republicano.
Considerando que os EUA são os maiores consumidores de café no globo e por se tratar de um mercado maduro para o café, a provável diminuição da demanda estadunidense ocasionará minguado impacto sobre as cotações, atualmente, muito mais sensível ao avanço do consumo de café no Leste Europeu e de alguns países o oriente médio e asiáticos. Por outro lado, tal queda na demanda, ainda que pequena, permitirá ao Brasil antecipar sua meta de superar os EUA como principal mercado para a bebida, antes prevista para ocorrer somente em 2012.
3 - Cidade de São Paulo: uma Meca para o café
Dois estudos recentes sacramentam a vocação paulistana para o consumo do café. O primeiro deles estabeleceu que diariamente são consumidas aproximadamente 25 milhões de xícaras da bebida por dia5. Ainda que desconheçamos estudos que quantifiquem o número de xícaras consumidas em outras megalópoles, acreditamos que esse patamar alcançado pela cidade de São Paulo a coloca no maior centro mundial de consumo da bebida. Corroborando essa informação, pesquisadores do IPEA6, após aplicarem metodologia mais robusta para o cálculo de elasticidades para os dados sobre consumo alimentar apresentados pela POF 1995-96, concluíram que o café alcança a categoria de bem de luxo, ou seja, exibe elasticidade acima de 1 (mais precisamente, 1,0265), o que significa que para uma variação positiva de renda a procura pelo café aumenta mais que proporcionalmente a esse incremento de renda.
A apreciação qualitativa do mercado de café fora-do-lar paulistano de fato evidencia um boom na abertura da casas especializadas na oferta de café. A expansão das cafeterias em São Paulo, iniciada tanto por empreendedores individuais, como patrocinada por consolidadas redes (Frans Café®, Café do Ponto®, Casa do Pão de Queijo®, etc.), não passou desapercebida por empreendedores e grandes firmas internacionais. A abertura do mercado paulista pela Starbucks®, pela Nespresso®, a rede argentina de alfajores Havana®, Il Barista e, em breve, pela Espressamente da illycaffè, denota o ávido interesse em competir pelos ganhos econômicos que o segmento exibe. Sem dúvida, os investimentos em serviços de oferta de café, representam a parcela mais dinâmica desse mercado na atualidade.
Artigo enviado ao CaféPoint pelo autor.
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1 O autor agradece a colaboração do Técnico de Apoio Gilberto Benati.
2 Dados coletados do jornal Gazeta Mercantil.
3 COY, Peter. Petróleo deve esfriar ainda mais a economia dos EUA. Jornal Valor Econômico, 23/10/2007.
4 Dados consultados do site:
https://siteresources.worldbank.org/INTDAILYPROSPECTS/Resources/Pnk_1207R.xls
5 Maiores detalhes consultar:
VEGRO, C.L.R.; ASSUMPÇÃO, R & PINO, F.A Hábitos do tomador de café fora do lar, in: ANGELO, C.F & DA SILVEIRA, J.A G. Varejo competitivo. Saint Paul Editora, São Paulo, vol.12, 173-194p.
6 Maiores detalhes consultar:
SILVEIRA, F. G. et al. Elasticidade-renda dos produtos alimentares nas regiões metropolitanas brasileiras: uma aplicação da POF 1995/1996. Estudos Econômicos, Departamento de Economia, Faculdade de Economia, Administração da Universidade de São Paulo, v.37, n.02, 329-352p.