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Arquitetos do quebragalho

POR CELSO LUIS RODRIGUES VEGRO

CELSO VEGRO

EM 04/08/2009

9 MIN DE LEITURA

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Padece nesse momento a democracia brasileira e, por conseguinte, toda a sociedade. A estrutura política que alicerça o Estado Nacional bambeia carcomida que está pela desfaçatez com que os donos do poder se acarrapataram ao tesouro público. Os poucos senadores, deputados, governadores, prefeitos, vereadores, juízes, procuradores, fiscais, etc. que guardam ainda alguma integridade na consciência assemelham-se a "santos de bordel" em meio à escandalosa orgia em que o espaço público há muito tempo foi transformado. As vedetes das espalhafatosas operações da polícia federal sequer se preocupam com os desdobramentos das investigações e punições, cientes que estão de que a corrupção é sistêmica e até mesmo aquele que no passado denunciava a existência dos trezentos picaretas que conseguia enxergar (acreditando na hipótese de que o personagem não possui um alto grau de miopia), agora se acerca de milhares de degenerados morais alçados na figura de assessores, colaboradores e outros suspeitos aliados, no qual o vetusto presidente do Senado é apenas mais um na coleção diversificada de oligarcas que campeia o planalto, atualmente, convertido mais para uma terra de ninguém. Sentimento trágico consiste na obrigação em reconhecer que inexiste outra forma de governo melhor, pois não há quem verdadeiramente acredite que sob a violência e a repressão da ditadura, possa-se encontrar algum caminho civilizatório alternativo. Todavia, igualmente legítimo é o sentimento generalizado de profunda descrença em nossa "sereníssima república". A expansão àqueles que desistirão de participar do processo democrático, anulando seu voto, será conseqüência natural desse estado de coisas.

As engrenagens da burocracia oficial tornaram-se viciadas pelo azeite da corrupção. A cada nova denúncia mudam alguns personagens, desmascaram-se outros que pareciam acima de qualquer suspeita mas, sobretudo, se esforça a máquina por omitir aquilo que de fato constitui o fundamento da corrupção: os grandes negócios capitaneados pela casta financeira e nutridos pela pequena, velha e intestina política organizada em torno de lobbies que alcatifam com polpudos recursos as alamedas do próximo certame eleitoral. Que aqui ninguém se iluda: a representação política em torno do café subsume-se nesse contexto mais geral e dele partilha a mesma deformada essência ao exibir sua perversa natureza embalada que sempre foi pelo chamado consenso conservador.

Interesses de ocasião, em geral, constituídos por privilégios que por princípio deveriam ser prontamente expurgados da agenda, constituem a pauta dos fóruns de negociação. As elites sindicais, cooperativistas e políticas (com raríssimas exceções) agitam suas bandeiras; promovem passeatas para conseguir um apenas acanhado apoio da sociedade pouco esclarecida sobre a natureza e a verdade de seus problemas; alinhavam epístolas dirigidas ao alto escalão do governo, enfim submetem à exaustão seus pleitos numa declarada estratégia de fortalecimento dos interesses oligárquicos de cunho patrimonialista que lamentavelmente pautam os assuntos da economia cafeeira. Sob esse figurino não se pode ser esperançoso: o agronegócio café caminha para perda de vitalidade e a esclerose haverá de solapá-lo. Minguará não em função dos baixos preços, mas pela falta de juízo das ações "corretivas" defendidas pelas elites do segmento.

Ao se submeter ao escrutínio desapaixonado do rol das demandas e de políticas públicas implementadas, se observa que, excetuando-se o famosíssimo acordo de Taubaté de 1906, em nenhum outro momento da história econômica do café houve tantas e tão diversificadas políticas de estímulo à atividade e garantia da renda. Para além dos financiamentos tradicionais de custeio, investimento e colheita do FUNCAFÉ e os continuados adiamentos, renegociações e repactuações dos empréstimos, teve-se o leilão de opções; os empréstimos emergenciais para as áreas afetadas pelo granizo; a subvenção do prêmio dos contratos de seguro da lavoura; os créditos para alavancagem do capital nas cooperativas; seguidas rodadas de redução das taxas de juros. Ainda para esse ano prevê-se a compra direta de produto visando à recomposição de estoques (com e sem a utilização das opções públicas) e até mesmo um relançamento do PEPRO, melhorado, para mitigar oportunismos. Percebe-se inclusive que o conjunto de ações possui uma coerência, pautando-se pela premissa de que a iniciativa do governo deve orientar-se no sentido de conferir maior competitividade, qualidade e sustentabilidade à cafeicultura. Se o pacote de ações ainda foi insuficiente do ponto de vista das elites sindicais, cooperativistas e políticas, o problema do segmento deve possuir outra natureza que independe da capacidade de regulação e das possibilidades numerárias do Estado.

O superdimensionamento da crise de preços sobre o segmento é o modo astuto de defesa de atitudes torpes como as claras defendidas o calote das parcelas dos financiamentos contraídos. Com a falsa roupagem de desobediência civil (na verdade trata-se de descaramento), os líderes da pequena cafeicultura defendem abertamente a interrupção dos pagamentos. Por outro lado proclamam que pretendem sim quitar seus respectivos saldos devedores, porém sob a modalidade de escambo ao longo dos próximos 20 anos, desde que sejam refutados os custos calculados pelos competentes técnicos da CONAB, mas exigindo o preço base de R$ 355,00/sc! Sem qualquer tipo de indexação restituídas com base em ressarcimentos autodeclaratórios no patamar de 5% da produção o que se pode de imediato vislumbrar é o inconfessado desejo de dilapidar o FUNCAFÉ (quem sabe não seria melhor acabar com o fundo mesmo).

Ademais, seguem-se outras extravagâncias como: a criação da Empresa Brasileira do Café e da Bolsa Café, assuntos que já tive a oportunidade de comentar (e de me indignar). A implementação do regulamento técnico de qualidade para o café, em função de seu caráter capcioso, é melhor que nunca venha para bem dos consumidores (defesa do nosso direito de apreciar um café enxuto). Quanto à fiscalização das impurezas e misturas, não há por que estatizar o formidável trabalho realizado pela ABIC, mas ao contrário, conceder maiores poderes, por meio de lei específica, para as agências sanitárias e de defesa do consumidor com amplitude capaz de, por exemplo, proceder ao fechamento das torrefadoras que adulterem o café com apreensão e leilão de seus equipamentos. Nisso a contribuição dos deputados da bancada do café seria além de bem-vinda, necessária.

Totalmente legítimos são os esforços do segmento se organizar em torno de uma pauta de reivindicações e, por meio do uso de retórica própria, convencer a sociedade de que seus pleitos são justos. Da mesma forma, ao setor público, compete averiguar o conteúdo as solicitações, espelhando-o frente às exigências financeiras a que estão associadas, decidindo-se por ações que garantam, por princípio e prática, o robustecimento do segmento. Substituir a seriedade com que é conduzida atualmente a política cafeeira pelas tolices da elite representativa da cafeicultura é grande parvoíce.

Não pode haver outra maneira de nominar tão disparatadas propostas senão de quebra-galhos. E a cada galho que porventura for partido, um bocadinho mais se estufa os bolsos dessa gente que os quebrou sem previsão que se faça sobre quantas varetas haverão de se cindir até que os bolsos se locupletem. Essa é e sempre será nossa "sereníssima república".

O que dizem os números

Não há roda de analistas do mercado de café que não comente o imenso diferencial ente as cotações praticadas em Nova Iorque para o suave colombiano frente ao deságio do natural brasileiro1. De pronto surge um sentimento de humilhante resignação, desprezando-se toda a formidável trajetória que a cafeicultura brasileira empreendeu até o presente. Por isso, antes de se curvar aos ditos, torna-se necessário averiguar os números numa tentativa de esmiuçar o problema até que se consiga de fato construir uma tenaz inteligência sobre o fenômeno.

É necessário primeiramente distinguir cotações de preços recebidos. Usualmente, as cotações em bolsa referem-se a transações que em casos muito raros se transformam em liquidações no físico. As bolsas até recomendam que tais eventos não se concretizem e seja sempre preferida a solução financeira. Por essa razão é importante chamar isso de cotação. A depender dos mecanismos de transferência, os preços recebidos pelos cafeicultores podem exibir maior ou menor aderência do mercado local à sua formação das cotações internacionais. Assim, os preços recebidos denotam uma transação que ocorreu em base do mercado físico e é nesse campo de análise que precisamos nos concentrar visando compreender como maiores cotações podem correlacionar-se com melhores preços.

Aparentemente, a escassez de oferta de suave colombiano surpreendeu aqueles que possuíam posições vendidas em carteira. Cientes dessa momentânea dificuldade, os agentes de mercado com posições compradas passaram a pressionar as cotações para liquidação das posições. Sob esse ambiente os investidores com posições vendidas aceitaram crescentes ágios para o encerramento dos negócios. Esse fato não se traduz imediatamente em comparações que o café colombiano está valorizado enquanto o brasileiro desvalorizado.

Tomando-se os preços médios mensais por carga de 125 kg do suave colombiano e realizando as transformações para dólares por sacas de 60kg, estabelece-se uma medida de referência para se cotejar com, por exemplo, os preços recebidos pelos cafeicultores no Estado de São Paulo coletados pela IEA/CATI. Tendo por referência o período 2007 a junho de 2009, constrói-se gráfico em que é possível constatar que em US$/sc, os preços recebidos pelos cafeicultores paulistas estiveram acima de seus congêneres colombianos (FIGURA 1).

Evidentemente, essa situação decorre do fenômeno da sobrevalorização do real que também tenha sido observado para o peso colombiano, não foi tão acentuado comparativamente à moeda brasileira. A partir de outubro de 2008, com a acentuada desvalorização do real, houve uma diminuição acentuada dos preços recebidos pelos cafeicultores paulistas enquanto que para os preços recebidos pelos colombianos, com moeda menos afetada pela crise econômica associado a uma escalada nas cotações, inverteu posição gráfica e subiu exponencialmente. Todavia em junho já exibia correção de tendência com preços convergindo para a posição da tendência anterior ao salto, enquanto o natural, com a revalorização do real, segue recuperando preço em dólar. É provável que dentro no curto prazo, já em agosto de 2009, os preços recebidos pelos cafeicultores colombianos situe-se ao redor da cotação do contrato C e o natural brasileiro reflita apenas o estabelecido deságio para nosso produto naquela bolsa.

Figura 1 - Preços recebidos pelos cafeicultores colombianos e paulistas, US$/sc, jan.2007 a jun.2009


Fonte: elaborado a partir de dados básicos de www.cafedecolombia.com e www.iea.sp.gov.br.

Levando-se em conta a paridade do poder de compra, é possível que os cafeicultores colombianos consigam melhor padrão de bem-estar com menos dólares por saca de café do que, comparativamente, os brasileiros com mais. Disso não resulta que o marketing foi mais eficiente ou que nosso concorrente possui políticas mais acertadas, mas sim da questão cambial que do ponto de vista macroeconômico ultrapassa em muito as filigranas do café.

O autor agradece as sugestões do pesquisador do IEA, José Sidnei Gonçalves, e do professor da FGV/SP, Dr. Felix Schouchana, e também pelo trabalho de compilação dos dados básicos pelo assistente do IEA Gilberto Bernardi.

1 "...o preço do café brasileiro no ano de 2005 é praticamente o mesmo do que é cobrado hoje. ´Nunca o café colombiano ficou tão mais caro que o café brasileiro. A diferença do café colombiano para o brasileiro já está no valor de uma saca de café, isto é, mais ou menos US$ 135´, ressaltou. Melles afirmou que isso demonstra claramente que o governo não tem política para o setor. ´Não há políticas que sustentem o preço´, reclamou. O deputado...". Texto extraído de www.cafepoint.com.br em 30/07/2009.

"O entusiasmo furioso consegue grande número de discípulos e emociona a multidão, enquanto que o homem razoável conta apenas com alguns amigos".


Emil Ludwig GOETHE

CELSO LUIS RODRIGUES VEGRO

Eng. Agr., MS Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade. Pesquisador Científico VI do IEA-APTA/SAA-SP

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