O estirado passo que significou a abolição, não veio acompanhado de inteligência política nativa no sentido de estruturar nova sociedade em que houvesse maior grau de homogeneidade social. Fez-se imenso crescimento econômico, porém ao largo do legítimo desenvolvimento. A trajetória configurou-se ainda pior, especialmente no último quartil do século passado, quando sob a escalada inflacionária, subtraía-se quase imposto da deprimida massa salarial. O esforço macroeconômico de estabilizar a moeda, iniciado em 1994, representou a segunda inflexão relevante do processo civilizatório brasileiro.
A diretriz de valorização real do salário mínimo e de construção de rede de proteção/segurança social constitui o liame que articula os distintos governos que se sucederam no comando do Estado. Após quase 20 anos de condução dessa política, o Brasil começa a escalar postos mais elevados nos rankings internacionais que procuram mensurar o bem-estar de sua população . O estatuto em torno da formalização plena do trabalho doméstico e reflexo recentíssimo dessa orientação civilizatória.
Ganhos salariais reais em segmentos intensivos na ocupação de mão de obra criam incômodos. Atualmente, o desconforto econômico é maiormente percebido pela cafeicultura dita de montanha, uma vez que nessas lavoras não se promoveram, no mesmo ritmo, inovações capazes de incrementar a produtividade do trabalho, ou seja, aquelas tecnologias poupadoras de mão de obra. Talvez, apenas os derriçadores portáveis tenham sido os equipamentos mais ajustados a essa finalidade que se somaram aos sistemas produtivos em situação de montanha.
Não se pode pretender esconder-se do sol utilizando uma peneira. A problemática da baixa produtividade da mão de obra rural associada ao seu elevado custo total (proventos mais encargos) é o incômodo da cafeicultura brasileira. O ajuste virá sob forma de substituição de lavouras, particularmente, as de menor produtividade, por outros cultivos (agrícolas e florestais) e por outras criações.
Alternativamente à erradicação dos cafezais (inclusive os potencialmente mais produtivos), pode-se propugnar o reeordenamento fundiário devidamente amparado por instrumentos juridicamente seguros. A retomada das parceiras agrícolas, destinando aos trabalhadores rurais e suas famílias, aqueles talhões em que não há possibilidades de mecanização plena (tratos culturais e colheita), poderia ser novamente cogitadas. Competiria ao empreendedor a compra dos insumos, o pós-colheita e a venda em conjunto das qualidades de bebida obtidas. Restariam, ainda sob sua coordenação, as áreas em que a mecanização permite elevada produtividade do trabalho e, consequentemente, competitividade frente ao cenário global em que visualiza a irrupção de outro longo ciclo de cotações próximas ao ponto de equilíbrio dos empreendimentos.
Numa sociedade heterogênea, o processo civilizatório, necessariamente, gera incômodo. Se o ambiente de negócios não favorece a adoção de processos de mudança dos posicionamentos, o desconforto é ainda maior. Assistiremos, ao longo dessa década, período de rearranjo dos cinturões produtores de café, com maior ênfase nos de arábica. Aqueles cafeicultores mais arrojados e capazes abertos à inovação (introduzindo tecnologias e modificando as relações de produção), provavelmente, oferecerão maior tenacidade ao contexto de mercado que se apresenta dominado pela competitividade temperada pela volatilidade.
1 Lembrando sempre que o Brasil foi a última nação das Américas a extinguir o regime de escravidão.
2 Entre a Abolição e a proclamação da República transcorreram apenas 18 meses.
3 Embora continue mal avaliado no quesito espaço para a realização de negócios.
4 Nos últimos anos têm-se debatido a oportunidade de substituição da medição do PIB por novo indicador que teria por escopo o patamar de “felicidade”.
5 Concentrada naquela situada nas vertentes do Rio Paraíba do Sul.