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Incômodo Civilizatório

CELSO LUIS RODRIGUES VEGRO

EM 02/04/2013

3 MIN DE LEITURA

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Às vésperas de completar 125 anos, a mais decisiva mudança socioeconômica e política do Brasil, o decreto de abolição da escravatura , trouxe para a cafeicultura a mais importante das rupturas vetorialmente orientada para o avanço do processo civilizatório. Naquela altura tanto o regime escravocrata como a monarquia já se encontravam sem o respaldo das elites agrárias, de tal forma que essa mudança pode ser efetuada em curtíssimo espaço de tempo .

O estirado passo que significou a abolição, não veio acompanhado de inteligência política nativa no sentido de estruturar nova sociedade em que houvesse maior grau de homogeneidade social. Fez-se imenso crescimento econômico, porém ao largo do legítimo desenvolvimento. A trajetória configurou-se ainda pior, especialmente no último quartil do século passado, quando sob a escalada inflacionária, subtraía-se quase imposto da deprimida massa salarial. O esforço macroeconômico de estabilizar a moeda, iniciado em 1994, representou a segunda inflexão relevante do processo civilizatório brasileiro.

A diretriz de valorização real do salário mínimo e de construção de rede de proteção/segurança social constitui o liame que articula os distintos governos que se sucederam no comando do Estado. Após quase 20 anos de condução dessa política, o Brasil começa a escalar postos mais elevados nos rankings internacionais que procuram mensurar o bem-estar de sua população . O estatuto em torno da formalização plena do trabalho doméstico e reflexo recentíssimo dessa orientação civilizatória.
 
A reestruturação dos contratos sociais imposta pelo avanço do processo civilizatório impõe a eliminação de antanhos hábitos. Quando da abolição, ainda que a cafeicultura da escravatura dependente ainda constituísse um segmento econômico de alguma relevância, já seguia anêmico se autodesmanchando em rápida corrosão patrimonial, decorrente tanto da perda de fertilidade dos solos como do esgotamento produtivo das lavouras e padecendo de arcaísmo da relação social de produção. Ainda assim, a constituição de um mercado de trabalho regulamentado por lei, demandou profundos rearranjos nos sistemas produtivos, para os quais apenas os novos cafeicultores (que na fronteira representada à época pelo interior paulista). As lavouras do Vale do Paraíba converteram-se em pastagens e os cafezais ganharam o interior.

Ganhos salariais reais em segmentos intensivos na ocupação de mão de obra criam incômodos. Atualmente, o desconforto econômico é maiormente percebido pela cafeicultura dita de montanha, uma vez que nessas lavoras não se promoveram, no mesmo ritmo, inovações capazes de incrementar a produtividade do trabalho, ou seja, aquelas tecnologias poupadoras de mão de obra. Talvez, apenas os derriçadores portáveis tenham sido os equipamentos mais ajustados a essa finalidade que se somaram aos sistemas produtivos em situação de montanha.

Não se pode pretender esconder-se do sol utilizando uma peneira. A problemática da baixa produtividade da mão de obra rural associada ao seu elevado custo total (proventos mais encargos) é o incômodo da cafeicultura brasileira. O ajuste virá sob forma de substituição de lavouras, particularmente, as de menor produtividade, por outros cultivos (agrícolas e florestais) e por outras criações.

Alternativamente à erradicação dos cafezais (inclusive os potencialmente mais produtivos), pode-se propugnar o reeordenamento fundiário devidamente amparado por instrumentos juridicamente seguros. A retomada das parceiras agrícolas, destinando aos trabalhadores rurais e suas famílias, aqueles talhões em que não há possibilidades de mecanização plena (tratos culturais e colheita), poderia ser novamente cogitadas. Competiria ao empreendedor a compra dos insumos, o pós-colheita e a venda em conjunto das qualidades de bebida obtidas. Restariam, ainda sob sua coordenação, as áreas em que a mecanização permite elevada produtividade do trabalho e, consequentemente, competitividade frente ao cenário global em que visualiza a irrupção de outro longo ciclo de cotações próximas ao ponto de equilíbrio dos empreendimentos.

Numa sociedade heterogênea, o processo civilizatório, necessariamente, gera incômodo. Se o ambiente de negócios não favorece a adoção de processos de mudança dos posicionamentos, o desconforto é ainda maior. Assistiremos, ao longo dessa década, período de rearranjo dos cinturões produtores de café, com maior ênfase nos de arábica. Aqueles cafeicultores mais arrojados e capazes abertos à inovação (introduzindo tecnologias e modificando as relações de produção), provavelmente, oferecerão maior tenacidade ao contexto de mercado que se apresenta dominado pela competitividade temperada pela volatilidade.



1 Lembrando sempre que o Brasil foi a última nação das Américas a extinguir o regime de escravidão.
2 Entre a Abolição e a proclamação da República transcorreram apenas 18 meses.
3 Embora continue mal avaliado no quesito espaço para a realização de negócios.
4 Nos últimos anos têm-se debatido a oportunidade de substituição da medição do PIB por novo indicador que teria por escopo o patamar de “felicidade”.
5 Concentrada naquela situada nas vertentes do Rio Paraíba do Sul.




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BRÍGIDA SALGADO

PIATÃ - BAHIA - PRODUÇÃO DE CAFÉ

EM 14/04/2013

Mais um Artigo do Celso muito bom! O que me chama atenção no entanto é que não vemos nenhuma referencia aos cafeicultores da Agricultura Familiar, que geram emprego e renda no campo evitando o exodo rural, e produzindo grande parte dos cafés comodities. Não existem politicas publicas para esses cafeicultores que tem uma produtividade baixissima!!! Que tal olhar também para esses produtores e promovermos mudanças e aumento desta produtividade!!
ANTONIO DA COSTA NETO

MANHUMIRIM - MINAS GERAIS - PRODUÇÃO DE CAFÉ

EM 04/04/2013

Caro amigo,
125 anos ainda não deu para consertar. Temos ainda os quilombolas e cotas escolares. Você me poupou 2.800 caracteres com o outro artigo publicado hoje (04/04).
Não se cura dor de dente, cortando a cabeça.
Abraços,
Toninho Costa
Produtor de café de montanhas com 650.000 covas.
CELSO LUIS RODRIGUES VEGRO

SÃO PAULO - SÃO PAULO - PESQUISA/ENSINO

EM 03/04/2013

PH
Não existe chaga para a qual não exista também um bom curativo. Nossa inteligência deve ser aplicada na busca dos melhores unguentos para o padecimento de nossa cafeicultura.
Grande abraço ao amigo.
Celso Vegro
PAULO HENRIQUE LEME

LAVRAS - MINAS GERAIS - PESQUISA/ENSINO

EM 03/04/2013

Caro Celso,

Tocou na grande ferida de nossa cafeicultura. A mudança é urgente.

Um abraço,

PH
CELSO LUIS RODRIGUES VEGRO

SÃO PAULO - SÃO PAULO - PESQUISA/ENSINO

EM 03/04/2013

Amigo Fábio
Suas colocações são muito pertinentes. Sob o prisma das mudanças climáticas recontextualiza tudo que afirmei no artigo.
Temos desafios cruciais pela frente. A participação nessa rede pode ser um dos espaços em que esses parte desses desafios serão equacionados.
Abçs
Celso Vegro
FÁBIO LÚCIO MARTINS NETO

VITÓRIA DA CONQUISTA - BAHIA - PROFISSIONAIS DE CIÊNCIAS AGRÁRIAS

EM 03/04/2013

Prezado Celso,

Chamou-me a atenção a afirmação sobre um possível rearranjo dos cinturões produtores de café arábica.

Além das questões referentes ao custo da mão-de-obra e, consequentemente, de produção, atentemos para outras possíveis mudanças.

Ao mesmo tempo que a cafeicultura se expande para regiões mais quentes (como o Oeste da Bahia e o Norte de Minas) em sistemtas de produção mecanizado e irrigado, preocupa-nos os possíveis impactos das mudanças climáticas sobre a cafeicultura baiana, sobretudo no Planalto de Vitória da Conquista e Chapada Diamantina.

Estamos sofrendo umas das piores secas dos últimos 50 anos e os estudos sobre as mudanças climáticas apontam para diminuição das precipitações e aumentos da temperaturas médias nesta região, intensificando nossa inquietação.

Assim, nos cabe promover adaptações, mitigar efeitos e, principalmente, compreender as mudanças.

Abraços,
CELSO LUIS RODRIGUES VEGRO

SÃO PAULO - SÃO PAULO - PESQUISA/ENSINO

EM 03/04/2013

Prezado Dalmy Miguel
Grato pela manifestação. De fato tenho o mal hábito de construir textos para os quais duas atentas leituras é quase que obrigação, mas nele não há grande coisa de sociologia.
Passei ao largo da temática da qualidade. Tenho apenas a relatar que o único cafeicultor que a 22 anos fornece interruptamente a illy é de Patrocíni - José Carlos Grossi. Se isso indica que a qualidade já não é exclusividade da montanha, não sei mas o fato não se pode omitir.
Abçs
Celso Vegro
DALMY CASSIO MIGUEL

CAMPO BELO - MINAS GERAIS - PRODUÇÃO DE CAFÉ

EM 02/04/2013

Apesar do texto acima ter uma conotação socioligica forte, cabe relevo ressaltar que mesmo a cafeicultura de montanha, pode sim sobreviver, apesar de ter custos mais elevados do que os verificados em outras areas. É facil perceber que o cafe de altitude(montanha) tem tido resultados excelentes no aspecto da bebida, haja vista que muitos produtores tem sido premiados em varios concursos de qualidade promovidos por varias entidades do setor. Com certeza, por si só , esse fato é um diferencial que pode favorecer a continuidade das lavouras implantadas em terras altas, contrapondo ao que temos observado de produtores reclamando da qualidade das bebidas em regiões de cerrado e altitude baixa, que mesmo aplicando tecnologia de ponta não tem sido possivel modificar o resultado final da bebida com consequente prejuizo imensuravel.

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