Na porteira para dentro, observa-se crescente adesão à tecnologia de descascamento; o resgate de variedades reconhecidamente de alta qualidade (bourbon, caturra), o avanço das unidades certificadas (100.000ha UTZ, 60.000ha Rainforest, exemplificando apenas os dois mais destacados certificadores de arábica). Esse esforço em requalificar café brasileiro já se pode detectar pelo movimento de exportações, conforme atestam informações recém divulgadas.
Figura 1 – Quantidade e valor das exportações brasileiras de café, 2007 a 2011.
Em 2011 foram exportadas mais de 8 milhões de sacas de arábicas diferenciados, ao preço médio de U$339,60/sc que geraram receita cambial de US$2,7 bilhões. Tais cafés, quando comparados ao seu congênere commodity, exibem prêmio de 33,54% acima o preço médio obtido pelo produto comum. Tem mais, esse fenômeno não é exclusividade da última safra, ao contrário, evolui continuamente independendo de se estar percorrendo ciclo de alta ou de baixa. O mais que decantado discurso pelo incremento da qualidade, enfim, evidenciou seu acerto. Ainda que tal diferencial de preços não tenha sido transferido parcialmente ou integralmente aos cafeicultores, criou-se a possibilidade de se avançar na cadeia de valor e tal repasse acabará inapelavelmente por acontecer.
É nesse contexto de celebração por êxitos alcançados que aparecem obstáculos interposto geralmente por aqueles que não suportam o sucesso alheio! Refiro-me aqui à problemática envolvendo o concentrado emulsionável utilizado para controle da broca do café (Hypothenemus hampei), cujo princípio ativo é o Endossulfam (molécula com componente organoclorado, de Classe Toxicológica II).
Para o controle da broca do café já se experimentaram o controle biológico envolvendo desde a soltura de vespinhas predadoras criadas em laboratório até, mais recentemente, pulverizações com o fungo Beauveria bassiana, obtendo em ambos os casos um ganho marginal no controle da praga. Eficaz com apenas uma pulverização é o Endossulfam, defensivo é considerado um produto commodity, uma vez que o litro era comercializado, em 2011, nas revendas do Estado de São Paulo, entre R$14,90/l e R$16,65/l1. A recomendação agronômica preconiza o emprego de 1,5l a 2l por hectare na preparação de caldas entre 100 e 250l, a serem aplicadas quando a amostragem indicar 3% a 5% de frutos perfurados.
A ANVISA, agência com poder mandatório sobre o assunto, após efetuar reavaliação de toxidez, reclassificando o defensivo na Classe I de toxicológica, determinou que o Endossulfam fosse banido do mercado brasileiro no prazo de três anos a contar de 31/07/2010. Tal orientação se alinha com as diretivas de outros países em que o produto foi banido.
Fator que aparentemente foi desconsiderados pelos policy makers da ANVISA, consiste no pós-colheita do café ser bastante alongado, com exposição ao sol por cerca de 20 dias, descanso em tulha por meses até o beneficiamento (descascamento) para comercialização do produto. Ao ser processado os grãos são torrados à 220oC por 18 a 22 minutos, seguindo-se a moagem e o envasamento. ILLY& VIANI (1995)2, afirmam que as quantidades de resíduos de defensivos em café verde são da ordem de apenas traços até 300 ng g-1(nanogramas). Os autores, citando McCarthy et al., destacam ainda que ocorre substancial redução de resíduos após a torra e moagem, não tendo sido observado qualquer tipo de resíduo após monitoramento por dois anos consecutivos do mercado estadunidense de café.
Outro fator desconsiderado na tomada de decisão é a inexistência de defensivos de classe toxicológica menor de eficácia comprovada contra a broca do café. Os produtos disponíveis, além de não garantirem um satisfatório controle, exibem preços ao redor de R$120,00/l. Tal política de preços evidencia que há interesse da indústria química no banimento do Edossulfam, em substituição por outros produtos menos eficazes e muitíssimo mais caros. Como de praxe no Brasil, a parte mais fraca fica com a fatura e sobra uma conta alta para o cafeicultor pagar.
Já se enfatizou por demais que os produtos alternativos ao Endossulfam não tem eficácia pelo menos similar a aquele que será banido. Que cenário se pode imaginar a partir dessa condição? Aumento da incidência da broca nos grãos colhidos. Para aqueles que ainda não se deram conta, um dos fatores que contribuiu para a queda persistente da safra colombiana que exibia de 11-12 milhões de sacas de média nos anos 2000, para 7-8 colhidas atualmente, foi justamente a incidência de broca do café! Da forma como as decisões são tomadas no Brasil, até parece que existem interesses em se produzir artificialmente uma descontinuidade na trajetória de êxito que nossa cafeicultura vem traçando.
Analisando o contexto mais geral do assunto, parece que há sim uma orquestração contra o café brasileiro. As autoridades sanitárias japonesas se insurgiram contra o produto, exigindo teores de resíduos muito abaixo do preconizado pelo Codex Alimentarius, protocolo internacional sobre o assunto. Era o caso das autoridades daqui estipular limites ainda mais baixos para as importações brasileiras de shoyu, saque, lamen e tudo quanto for alimento da terra do sol nascente. Mais ainda, interromper os embarques de café brasileiro para o país até que uma revisão nessa norma fosse implantada. Quem não participa do negócio café não pode imaginar o estrago que faz à imagem do produto brasileiro, afora todos os custos financeiros, toda vez que os japoneses impedem um contêiner de desembarcar e o mandam de volta ao Brasil.
As lideranças da cafeicultura precisam sair da habitual pasmaceira e realmente exigir da ANVISA, dos fabricantes de defensivos, dos governos hostis ao café brasileiro, explicações e se forem verdadeiramente satisfatórias sobre suas precárias decisões. Não se sentindo satisfeitos, partir para a impetração de mandatos de segurança, levando os problemas criados por quem não entende do assunto ao poder judiciário daqui e de alhures. Basta de ESTÚPIDA MOLEZA!!!
1 Informação disponível em: https://ciagri.iea.sp.gov.br/nia1/defensivos.aspx
2 ILLY, A. & VIANI, Rinantonio. Espresso Coffee – the chemistry of quality. Academic Press, 1995. 255p.
Celso Luis Rodrigues Vegro
Eng. Agr., M.S. Desenvolvimento Agrícola
Pesquisador Científico do IEA
celvegro@iea.sp.gov.br